sexta-feira, 28 de agosto de 2009

De bengalas e bengaladas

Hoje o Guarujá amanheceu sob um “Sol de Brigadeiro”, que tem o condão de imprimir ao corpo - e à mente - um ritmo mais dinâmico, mais alegre. Influenciados por essa luz, todos reafirmamos nosso pacto de amor com a existência, ficamos de-bem-com-a-vida e, pra quem (como eu), não pode se expor aos raios ultra-violetas, “dá-lhe inspiração”.

Daí, ao som da orquestra passarinheira que me chega da mata, vizinha abençoada que recebi “de quebra” com o apartamento, abro o computador para dividir meu bom-humor com o mundo (pretensão!). Mas de uma coisa podem ter certeza @ leitores: minha família, minhas(os) amigas(os) e leitoras(os) são a porta de entrada ao mundo-que-pedi-a-Deus, um mundo de inclusão e paz entre todos os seres que o habitam.

Minha conselheira, Dª Nena, logo intervém em minhas elucubrações: - “Está bem. Agora que você descarregou sua “energia filosófica”, vamos pôr os pés no chão. Você não havia ficado de contar um “causo” engraçado sobre a utilidade das bengalas? Pois bem, você já usou a sua, agora vamos parar de divagar”. Rendendo-me ao bom-senso, passo a relatar a história que me foi contada por Carlos, um motorista bem-falante, que nos atende há anos e se tornou amigo da família.

Para que nos situemos no espaço, devo dizer que a cena teria se passado em São Paulo, mais precisamente na Av. Ricardo Jafet, sentido centro-bairro e – pra quem não a conhece bem -, devo lembrar que essa Avenida é acompanhada (ou vice-versa), em toda sua extensão pelo riacho do Ipiranga.

Pois bem, Carlos trafegava tranquilamente com seu táxi, mantendo-se à esquerda para fazer um contorno, quando o farol amarelou. Antes de parar, passou os olhos no entorno e viu uma senhora de bengala que parecia aguardar a abertura do semáforo para acabar de atravessar. Alerta, como todo bom motorista, Carlos olhou no espelho retrovisor e percebeu a proximidade de um garoto que mal disfarçava o porte de uma arma.

Sem pensar em si mesmo, preocupado com a integridade da velhinha, o motorista abriu a porta do carro súbita e violentamente, atingindo o garoto que, desequilibrado, deixou cair a arma, rapidamente atirada ao rio com um chute certeiro de nosso “herói”. Em poucos segundos, o “trombadinha” estava devidamente agarrado e prestes a levar um safanão, quando – surpresa! – a boa velhinha, sem saber o que estava acontecendo, saiu em socorro do “pobre menino”, passando a desferir bengaladas nas costas do “suposto” agressor: “Pra você aprender a não bater em crianças inofensivas, seu bandido covarde!”.

Tragicômico, o episódio remete às considerações de minha crônica anterior. Concluo com um alerta: nunca subestimem velhinhas de bengala. Por isso, continuo pensando em adotar uma (bengala, não velhinha).

Namastê.

quarta-feira, 26 de agosto de 2009

Andanças

Ontem prometi aos leitores(as) que hoje postaria uma crônica mais pé-no-chão a respeito de minhas vivências no Guarujá, onde cheguei há dois dias determinada a fazer deslanchar minha pesquisa sobre a mulher na filosofia. Como “promessa é dívida”, vou tentar fazê-lo, embora esteja meio sem inspiração devido a um ligeiro incidente que acaba de me tirar “literalmente” do ponto, mas que vou deixar para contar no final.

Pois bem, segunda-feira, precisando confirmar alguns dados para a bibliografia do trabalho sobre a mulher, decidi ir a pé até a Biblioteca da Cidade, distante pouco mais de dois quilômetros de meu apartamento. No caminho, cansada do assédio de um pedinte insistente e também para me esconder do ventinho gelado que golpeava a cidade, entrei numa padaria e me acomodei para comer alguma coisa “em paz”.

À minha frente, um casal me encobria do olhar vigilante do jovem pedinte que se encostara a um poste e cuja compleição estava mais para os conhecidos “trombadinhas” de São Paulo (sem preconceito). Com alívio, logo em seguida percebi que seu interesse se desviara incautamente para uma senhora de bengala, sumindo de minha vista em seguida.

Nesse ínterim, o casal abrira a janela de vidro que nos separava da rua, deixando entrar uma lufada de vento e passando a chamar em altos brados um homem de meia idade que havia descido de um utilitário, tomando goles de cerveja de uma lata que, ao ser esvaziada, foi abandonada no parapeito da janela que me ladeava. Pouco depois, o (in)digno cidadão se despedia da dupla, alto e bom som: “Se ela não quer ficar comigo, não precisa. Pode ficar por lá pra sempre. Mas dar bola pra outro, isso ela não vai nunca mesmo, que eu não sou corno. Tchau”.

Sem se dar conta de que incentivava uma possível violência, o casal deu seu evidente apoio, enquanto o “tio” engrenava o carro tomando outra cerveja: “É isso aí, tio. Você tá certo. Vai com Deus”. Apesar de deprimente, o episódio foi “um prato cheio” a quem se propõe a escrever sobre o tema. Até me fez esquecer do frio.

Antes de chegar à Biblioteca – que, a propósito não tinha sequer um dos livros que eu precisava consultar -, encontrei a senhora de bengala que dizia, rindo, a um casal de idosos: “Comigo é assim: escreveu não leu, pau comeu”. Pelo jeito, enfrentara nosso “amigo” insistente e levara a melhor. Estou pensando em adotar uma também, pra facilitar minhas andanças, pois, além de apoio, é uma boa arma de defesa. A propósito, na próxima crônica preciso lembrar de contar um “causo” engraçado, que me foi relatado por um motorista.

Luciana Gimenez fechou com “chave-de-ouro” o meu dia. Me explico: Lá pelas 23h30 da noite, depois de enfrentar minha decantada pesquisa por mais ou menos cinco horas seguidas, me estiquei na poltrona, imaginando descansar a mente, e deparei com a apresentadora, que dizia: - “Mulher é só emoção. Homem é mais razão. Mulher é um bicho esquisito”.(sic) Participando do programa, um convidado tentava argumentar: “Mulher e homem, todo mundo é razão e emoção”. Mas ela parecia não ouvir ou achou a expressão bonita, pois repetia: “Mulher é bicho esquisito. É só emoção”, enquanto ele voltava a afirmar: -“Não, homem e mulher é tudo a mesma coisa”. Ponto para os homens. Desliguei a televisão e fui deitar.

Ah, já ia esquecendo de contar o incidente a que me referi acima e o faço porque prometi, mas também para agradecer a proteção divina, pois a consequência foi menor que o susto. Direto ao assunto: Quando estou escrevendo, levanto várias vezes para descansar a vista e estirar as pernas. Numa dessas andanças pela casa, devo ter esticado as pernas um pouco além da medida, pois enlacei um fio inadvertidamente solto da parede e só consegui parar no fim do corredor, literalmente estirada (não precisava tanto). Antes de me estatelar no chão, ainda consegui colocar a mão na frente dos óculos, que ficaram ligeiramente tortos, mas não quebraram. Ufa! Fiquei com pena de minha neta Amanda, sempre com os joelhos esfolados (como dói!).

Com a cabeça e a mão (também) doloridas, pensei que não fosse dar conta da crônica que, afinal, acabou virando uma “ladainha” (pra compensar a postagem anterior, que só teve uma linha).

Namastê e até depois de amanhã, que ninguém é de ferro.

Esquecimento

Porque o momento esquece que nada é em face do Infinito?

terça-feira, 25 de agosto de 2009

Nó górdio IV

De volta ao Guarujá, onde eu e meu lap-top nos refugiamos sempre que algum trabalho específico está a exigir “nosso esforço concentrado”, percebo com a clareza que o distanciamento da rotina cotidiana permite, nossa impotência diante das questões inerentes à condição humana, muito especialmente a condição feminina.

O fato é que, onde quer que estejamos, levamos conosco todos os nossos condicionamentos, sejam físicos, psíquicos ou mentais e, ainda que mais perceptivos – graças ao estado de alerta próprio de quem se afasta da segurança do lar – permanecemos fiéis àquilo que já somos, ou melhor, que sempre fomos. Assim, ou uma nova ordem rotineira se instala ou, como é o caso, pegamos carona na rotina estabelecida em estadas anteriores.

A tendência à repetição é intrínseca ao ser humano, seja nas pequenas atitudes do dia-a-dia, seja na forma de pensar e ver a vida, o que nos faz reviver experiências, numa eterna confirmação de nossas próprias ideias ou, se preferirem, ideologias. Nos enredamos sempre nos mesmos passos, à falta de um diálogo com o outro, o diferente, aquele que “talvez” pudesse nos ajudar a nos des-envolver, des-enroscar de mais este verdadeiro nó górdio: a rotina embaraçante, a condenação à repetição, ao monólogo.

Assim, embora filosoficamente possamos encampar a assertiva sartriana de que “estamos condenados a ser livres”, a realidade que vivenciamos abala a crença nessa “utopia” (do) existencialista. Não obstante, outro pensador, o educador Paulo Freire, nos indica a possibilidade de uma “utopia revolucionária”, consubstanciada na esperança que, a meu ver, somente pode ser entendida como uma “esperança ativa”, um modo de agir que propicie uma ruptura nos muros da rotina pela qual nos deixamos emparedar.

Nesta altura de minhas elucubrações, recebo um “banho de água fria” de minha conselheira Dª Nena: - “Afinal, sua proposta ao começar este artigo, não era escrever uma simples crônica, para contar suas experiências nesta nova estada no Guarujá? Será que não percebe nesse “desvio filosófico” também uma forma de se enredar em seus próprios monólogos? Será que é isso que esperam suas leitoras e leitores? Convenhamos!”.

Intimidada pela lógica (ainda que me parecesse absurda no primeiro momento) do questionamento da sábia senhora, recolho-me à minha insignificância, desligando (por ora) o computador, para retomar alguns passos rotineiros (tão) necessários à manutenção da vida: banho, almoço, arrumação de roupas/casa/papéis, separação do lixo decartável (para reciclagem), compras (ainda que apenas as essenciais) e caminhada (se o tempo permitir).
À noite ou amanhã, dependendo do desenvolvimento do trabalho específico (de cunho filosófico, claro), que me trouxe a estas paragens, tentarei retomar – com os pés no chão - a proposta inicial, de contar objetivamente algumas das experiências aqui vivenciadas nos últimos dois dias e que foram responsáveis pelo desencadeamento desses arroubos filosóficos.

Por ora, deixo à reflexão de quem se dispuser a ler e comentar este texto, a aparente ambiguidade da questão proposta. Afinal, estamos condenados a nos repetir ad eternum, ou a rotina (de pensamentos, palavras, ações e meras atitudes semi-automáticas do cotidiano) seria mais um nó górdio a ser desatado?

Namastê.

quinta-feira, 20 de agosto de 2009

Indignação

Manhã dolorosa: na Web a foto de uma burka negra encobria totalmente um ser humano no cumprimento de sua “liberdade civil”, o voto, exibindo apenas o dedo indicador maquiavelicamente tingido de vermelho, a revelar, provavelmente, a condição de analfabeta da eleitora ou, no mínimo, para dar validade à “transparência democrática” das eleições locais.
Ontem, entre indignada e perplexa ante a crueldade dos homens, eu lera a notícia, também na Web, de que o (mesmo) Afeganistão acaba de aprovar uma lei que permite aos maridos deixarem suas esposas “passar fome” se, e enquanto, elas lhes negarem o tankeen, (leia-se sexo). O Talebã se foi do governo (embora em permanente tocaia para o rebote), mas, usando a expressão do excelente articulista Robson Fernando (vide link), o “gene dominante” do androcentrismo (que ali se revela num paroxismo de misoginia) se perpetua.
Lá, como cá, o “gene recessivo” (da mulher) também se perpetua, em que pese sua suposta e decantada “liberdade de opções”, pois, ainda que não estejamos mais obrigatoriamente confinadas ao “recesso do lar”, continuamos indelevelmente condicionadas às tradições culturais patriarcais.
O arquétipo da submissão está instalado no inconsciente das mulheres e é persistentemente (re)alimentado, seja pela educação que recebemos desde o berço ou pelas humilhantes pilhérias dos “gozadores” de plantão; seja pela linguagem opressora que faz do feminino um segundo sexo ou por notícias de nosso entorno (ou mesmo vivência própria) sobre a violência doméstica – considerada pandêmica, inclusive no Ocidente, por organismos da ONU - . Seja, enfim – para encerrar a crônica, mas não o tema -, pelo profundo sentimento de impotência ante a violência legalizada contra as mulheres, em países como a Síria, o Iraque e o malfadado Afeganistão, pra não falar nas mutilações sexuais tradicionais e nos estupros em massa em alguns países da África.
Cabe-nos tomar a arma mais potente de que dispomos – nossa voz - e lutar para romper esse arquétipo e o silêncio que o encobre, clamando persistentemente em uníssono, alto e bom som, até fazer ruir as muralhas que nos emparedam. E que não se preocupem as religiosas e os religiosos simpatizantes da causa feminina, o ensinamento é bíblico (Js.6.20). Quem quiser seguir os Evangelhos à risca, não precisa gritar, utilize uma trombeta.


quarta-feira, 12 de agosto de 2009

Grata surpresa

Tenho por hábito, ao visitar blogs com interesses afins ao meu, deixar comentários ou depoimentos a respeito de minhas próprias experiências a respeito dos assuntos neles tratados e o faço não apenas pelo prazer do diálogo, mas também porque sei o quanto é importante para todo autor o retorno e a participação dos leitores.

Maior se faz a necessidade do debate, a meu ver, quando os trabalhos autorais – sejam em prosa, verso, música ou imagem -, contém propostas críticas voltadas à conscientização de todos sobre questões que envolvem o aprimoramento da cidadania e da inclusão social, ao detectar os “furos” do sistema e os condicionamentos culturais discriminatórios.

Acredito mais que essa troca, ou reflexão conjunta, nos enriquece a todos, revelando muitas vezes uma generosidade insuspeitada. É o caso de uma grata surpresa que tive hoje, ao postar um comentário no blog alogilmar, que a página da uol houve por bem destacar. Gilmar, o autor, excelente cartunista, respondeu por e.mail ao meu comentário, classificando-o como “valioso” e me colocando “à vontade para pegar alguma imagem do (seu) blog” para ilustrar minhas crônicas.

Num mundo de mercado, em que as pessoas tendem a superavaliar economicamente suas criações, essa postura revela que uma das inúmeras possibilidades relacionais de um diálogo honesto que se pode dar inclusive entre autor e leitor, está a de fazer a ética – que nos é sempre potencial - emergir naturalmente, qualificando a vida. Melhor dizendo, quando oferecemos ao outro o melhor que há em nós, faremos emergir nele(a) aquilo que ele(a) já é.

Esse meio de relacionamento dialógico, que no caso dos blogs se dá por via de comentários às matérias postas, também tem o condão de nos fazer (re)conhecer as necessidades do(s) outro(s) e nossa própria capacidade de colaborar para a solução de questões (às vezes tão tormentosas) individuais ou coletivas, além de, por outro lado, nos fazer transcender os (às vezes tão pequenos) problemas do limitado cotidiano em que geralmente nos enclausuramos.

quarta-feira, 5 de agosto de 2009

A discriminação pela linguagem

Às voltas com minha pesquisa sobre a mulher no campo da filosofia, deparei com um texto da advogada Letícia Massula intitulado Até tu, Gil?, publicado no blog de Liliane Ferrari a propósito do tema A mulher e a opressão da linguagem, que vem corroborar minhas preocupações, observações e experiências sobre o assunto.
Linguagem é poder e, como tal, tem sido utilizada como uma das mais potentes formas de manipulação, discriminação e exclusão das chamadas “minorias”, expressão que por si só já demonstra seu poder discriminatório simbólico, haja vista que não se refere a uma inferioridade numérica, mas sim meramente ideológica.
Assim é que, dentre as “minorias”, incluem-se, além das mulheres – que na verdade representam metade da população -, também os afro-descendentes (homens e mulheres que, juntos, por seu lado também constituem a maioria populacional), além das pessoas com algum tipo de deficiência, bem como os homossexuais e os índios, dentre outros grupos ditos “minoritários”.
Enfim, um único termo, aqui tomado como exemplo – “minoria” – por si só já demonstra a devastação que a linguagem pode impor (e impõe) à imensa maioria de homens e mulheres relegada pela “brancura patriarcal” a uma cidadania de segundo grau. Incontáveis outros exemplos poderiam ser aqui lembrados, mas citarei apenas mais um, deixando aos leitores o convite para que me auxiliem a compor um dicionário da linguagem discriminatória.
Trata-se da palavra “deficiência”, que pressupõe déficit, incompletude, ausência de eficiência ou de capacidade para uma ou mais ocupações. Ora, em assim sendo, todos deveríamos ser considerados deficientes, já que cada um de nós – homens ou mulheres, ricos ou pobres, de todas as idades e raças – queiramos ou não, apresentamos dificuldades para a realização de inúmeros afazeres.
Encerro fazendo minhas as palavras do educador Paulo Freire, epigrafadas no texto da Dra. Letícia: “A recusa à ideologia machista, que implica necessariamente a recriação da linguagem, faz parte do sonho possível em favor da mudança do mundo”.