domingo, 18 de dezembro de 2011

Porque a gente é assim?

Lendo a crônica O Sonho dos Ratos, de Rubens Alves, postada no facebook pela jornalista Maristela Ajalla, lembrei de uma frase do dramaturgo Luiz Carlos Cardoso, meu querido amigo: “Porque a gente é assim?”
Provoquei Maristela, também amiga querida: - “Na sua opinião, porque que somos assim? A resposta veio rápida, como sempre: - “Porque sentimos amor e ódio na mesma proporção. Algumas pessoas conseguem mais espaço para o amor, outras para o ódio e muitas lutam para obterem o tão sonhado equilíbrio – a paz interior”.
Na verdade, estava me referindo à “postura” dos ratos que, na crônica, enquanto ameaçados pelo gato, se entendiam muito bem, apesar das diferenças individuais. Mas, assim que o inimigo comum se afastou e o queijo (sim, tinha um queijo grande e amarelo há história) ficou disponível, passaram a “mostrar os dentes” uns aos outros, com vitória óbvia dos mais fortes e a (eterna) exclusão dos mais fracos.
O fato é que amor e ódio convivem conosco, afluindo na medida das circunstâncias, vale dizer, de nossos desejos (aqui entram alguns sentimentos, como a inveja) e interesses (por exemplo, a ânsia pelo poder). Essa, ao menos, é a minha leitura da famosa “ambivalência” detectada por Freud, em especial nas relações familiares.
A meu ver, a metáfora de Rubem Alves passa por aí, e embora nos assemelhemos (inclusive no D.N.A.) a esses roedores, meu consolo é que algumas pessoas lutam (mesmo) para obter o tão sonhado (nosso, não dos ratos) equilíbrio – “a paz interior”, como diz Maristela.

domingo, 11 de dezembro de 2011

Sem sentido

Andarilha
da busca de sentido
às vezes me perco
de mim mesma
sem qualquer lirismo
a mente vagando
sem prumo nem rumo
à beira do abismo.

sexta-feira, 9 de dezembro de 2011

LOGO É NATAL

Parece ser da nossa natureza a tendência a ter uma certa “compulsão repetitiva”, como se estivéssemos condenados a repetir eternamente nossas experiências, sejam boas ou dolorosas. Algumas pessoas conseguem se aperceber disso, como a atriz Liv Ulmann que, ao se dar conta de que estava repetindo os mesmos erros, a mesma lição de vida, dizia: “Lá vou eu outra vez”.
As festas de fim de ano se aproximam e lá vamos nós outra vez... prometendo a nós mesmos que no próximo ano tudo será diferente, embora, bem lá no fundo, saibamos que para mudar é necessário criar coragem para sair do comodismo narcísico em que estamos alojados.
Não basta detectar, acreditar, prometer, há que agir construtivamente, sem medo das transformações, pois são elas que nos fazem crescer como seres humanos. Não nascemos prontos e acabados, mas ao contrário, somos arquitetos de nós mesmos, seres livres para (re)construir a nossa vida sempre que necessário. Recomeçar, renascer, esse o grande simbolismo do Natal.
Que as festas de fim de ano, desta vez, não se resumam a um consumismo repetitivamente alienado, mas que nos possam trazer a todos, homens e mulheres, uma maior conscientização sobre seu verdadeiro sentido.
Natal, como um renascimento da virtude da compaixão por nossos irmãos na Terra que, ao compartilhar dores e alegrias, mitiga aquelas, aumenta estas. Ano novo, como uma efetiva possibilidade de recomeçar, de reconstruir e de “crescer junto”, tornando mais digna e mais feliz esta incrível experiência que é viver.
O título “Logo é Natal” é uma homenagem à minha amiga Eugênia, que sempre usa essa expressão ao final de suas correspondências, como mensagem de esperança. Mensagem que estendo a todas as pessoas com quem tenho a felicidade de compartilhar essa jornada.

•Publ. hoje na Coluna da Suzete, do Jornal Gazeta do Ipiranga, pág. A-4.

terça-feira, 29 de novembro de 2011

Renasço

Renasço a cada
sol a cada
lua a cada
beijo
renasço no compasso
do dia na calada
da noite no regaço
da madrugada
estrelada
festejo
noite e dia
a alegria
do abraço.

sexta-feira, 25 de novembro de 2011

Reconhecimento Internacional

A Professora Dra. Patrícia Tuma Martins Bertolin, com quem tive a honra e o prazer de ser co-autora em alguns Ensaios Jurídicos, teve alguns trechos de seu trabalho “Regullatory challenges of domestic work: the case of Brazil”, transcritos `no “Relatório do Banco Mundial sobre Igualdade de Gênero e Desenvolvimento- 2012” (pág.337).
O artigo, escrito em co-autoria com a também pesquisadora do tema, Dra. Ana Virgínia Moreira Gomes, foi inicialmente publicado em uma Revista Técnica do Canadá. Ambas são também co-autoras do livro “Mulher, Sociedade e Direitos Humanos”, da Editora Rideel, organizado pela Dra. Patrícia juntamente com a Dra. Ana Cláudia P. Torezan Andreucci, que se destacou como um dos dez finalistas na Categoria “Direito” do Prêmio Jabuti de 2011.
A obra é um verdadeiro “Compêndio de Estudos Críticos”, totalmente realizada por mulheres, a respeito das questões de gênero nas mais diversas áreas, inclusive a filosofia, tema sobre o qual, instada por Patrícia, escrevi o Ensaio “Mulher e Filosofia – Uma Visão Transdisciplinar” (pág. 804/ 833).

sexta-feira, 18 de novembro de 2011

As Mulheres e o Prêmio Jabuti 2011

As Mulheres e o Prêmio Jabuti 2011

A participação feminina vem aumentando a cada ano no Prêmio Jabuti, considerado a mais abrangente premiação da literatura brasileira, agora em sua 53 ª edição. Dentre os dez finalistas na Categoria “Direito”, destacamos o livro “Mulher, Sociedade e Direitos Humanos”, da Editora Rideel, organizado pelas dras. Patrícia Bertolin e Ana Cláudia Andreucci, escrito por 38 mulheres das mais diversas áreas, entre elas a ipiranguista Suzete Carvalho.
O primeiro lugar na Categoria coube à Dra. Norma Sueli Padilha, com o livro “Fundamentos Constitucionais do Direito Ambiental Brasileiro”. De se notar também a importância e atualidade dos temas que elegeram para suas pesquisas e reflexões críticas: os diferentes papéis que a mulher desempenha na sociedade e a questão vital do meio-ambiente.
Parabéns a todas pelo talento e profissionalismo.

*Publ. no Jornal “Gazeta do Ipiranga”, em 18/11/2011, pág. A-4.

quinta-feira, 17 de novembro de 2011

Verdade ilusória

Verdade e ilusão
irmãs gêmeas
filhas do ego
e da razão
se confundem
nos confundem
ilusão da verdade
verdade ilusória
corrompe em paixões
a compaixão.

sexta-feira, 11 de novembro de 2011

As Redes Sociais

Nasci ao alvorecer da 2ª Guerra Mundial e, feliz ou infelizmente, minha geração não chegou a ser “bombardeada” pelas terríveis imagens que a barbárie humana produziu então. A tecnologia, ainda em seus primórdios, não nos dava conta em tempo real dos acontecimentos distantes, como hoje, e quando as informações nos chegavam, vinham amenizadas pelo tempo, pela distância e pela censura.
Assim, minha geração (pós guerra), ainda que sofrida, de alguma forma acabou sendo preservada do desencanto que a loucura coletiva planta em nossa visão da vida e do ser humano. Nas minhas sete décadas de vida, seis das quais passadas aqui no Ipiranga, as guerras e revoluções sociais - exceção feita aos “anos de chumbo” da ditadura militar - acabaram tendo menos impacto do que a revolução tecnológica.
Todas essas considerações vieram à minha mente, dia desses, quando ouvi de uma senhora de meia idade, a quem foi perguntado se possuía algum endereço eletrônico para contato: “Eu sou jurássica. Não tenho essas coisas de e.mail, orkut, facebook.”
O fato é que, atualmente, a Internet e suas redes sociais transformaram a tal ponto nossas noções de tempo e espaço que as pessoas que não estão conectadas acabam por sentir-se perdidas, como se estivessem ainda no tempo dos dinossauros.
Parece-me, porém, que esse é um falso problema, pois, por maior que seja o alcance do mundo virtual, a importância do toque, do olhar, da presença física no mundo real e seus relacionamentos concretos, sejam de amor ou e ódio, jamais será suplantada.

Publ.na Coluna da Suzete da Jornal Gazeta do Ipiranga, ed. de 11/11/2011, pág.D-6

quinta-feira, 10 de novembro de 2011

Aquela Esquina - Parte I

"Ah aquela esquina
por onde você
passava
parava
me olhava
Sorria
me olhava
sorria
me olhava
depois seguia
voltava
parava
me olhava
sorria
minha mãe
com seu radar
detectava
quando você
passava
me olhava
você então
disfarçava
não sorria
fingia que
seguia
mas sempre
sempre
voltava
parava
me olhava
e sorria..."

Para JBC

segunda-feira, 7 de novembro de 2011

Agradeço

Nem sei se mereço/por isso agradeço/a toda inspiração/agradeço/a tanta proteção/agradeço/aos amigos/agradeço/pois não sei/se os mereço/de amores/eu não padeço/sou feliz e/agradeço.

domingo, 30 de outubro de 2011

Metrópole

Cidade impura
dura na periferia
no centro
maldade pura
dia a fora
noite a dentro
onde o epicentro?

Postada hoje em m/facebook.

terça-feira, 25 de outubro de 2011

Missionários da Cultura

Missionários da Cultura de Paz que se faz premente, hoje cabe mais do que nunca aos Educadores e Educadoras lapidar pedras que não se sabem preciosas, dar-lhes formas suaves para que possam ser valorizadas pelo que realmente são: seres em processo de decantação. Sim, há algo de alquímico no magistério, sempre em busca da pedra filosofal.
Reencantar o Mundo, essa a missão que esses homens e mulheres devotados, conscientes e corajosos desempenham com amor e humildade, enfrentando poeticamente as agruras do dia-a-dia.
Educadores como você, Hosaná, não têm preço, tamanha a gratidão, tamanho o carinho e o apreço que lhe dedicamos.


Texto composto hoje para leitura no Encontro Poético "Um Pouco de Poesia nas Agruras do Dia a dia" que, sob a batuta do Professor Hosaná S. Dantas, a Associação dos Funcionários Públicos do Estado de São Paulo proporciona mensalmente a seus associados e associadas.

sexta-feira, 14 de outubro de 2011

OUTUBRO ROSA

O mês de outubro é inspirador, pois desde sua primeira semana é rico em exemplos de trabalho e amor: dia primeiro é a data comemorativa da angelical Terezinha do Menino Jesus, na qual se celebra também o Dia Internacional da Terceira Idade; dia dois é comemorado o nascimento de Gandhi (142 anos) e não por outro motivo foi declarado o Dia Internacional da Não-Violência, coincidentemente (ou não) o dia também consagrado a todos os Anjos; dia quatro é o dia em que se reverencia o inefável Francisco de Assis e, como não poderia deixar de ser, o dia dedicado aos Animais, nossos “irmãos”, como Francisco os chamava.

Meditar sobre o que representam esses ícones, com seus legados de esperança para o futuro da humanidade, é uma forma de criar condições propícias ao aprimoramento das relações do ser humano consigo mesmo, com o outro – seja-quem-for - e com o divino. Mensagens e exemplos de grandes homens e mulheres de todas as épocas, que marcaram a história da humanidade, são caminhos a serem seguidos especialmente em tempos de crise e uma das formas de reencantamento do mundo.

Para reverter o processo de violência e exclusão de que estamos saturados, temos que nos reconhecer como copartícipes de um todo social e planetário que, se tem muitas fraquezas, tem na diversidade uma das demonstrações de sua grande riqueza e na união uma manifestação de sua força criadora, haja vista os movimentos sociais, com forte participação estudantil, que culminaram em outubro de 1988, com a promulgação da Constituição Cidadã, precursora de novos tempos de liberdade.

Mas, as comemorações de outubro não param por aí: dia doze, consagrado à Padroeira do Brasil, celebramos também o Dia da Criança, com seu papel preponderante no encantamento da vida e dia quinze é dedicado aos professores, classe abnegada cuja vocação missionária é imprescindível ao desenvolvimento da criança, do jovem e consequentemente do país.

Enfim, importante lembrar que dezessete é o dia dedicado à Erradicação da Pobreza e vinte e oito ao Servidor Público, em homenagem abrangente que compreende desde os chamados ‘barnabés’, que encaram os menores salários e a maior parte dos serviços; o magistério e a magistratura sem cuja existência não haveria educação nem justiça; os policiais e militares de todas as categorias, sem os quais estaríamos à inteira mercê da violência; a classe médica (a quem é dedicado o dia dezoito) – com sua missão curadora; passando por incontáveis outros trabalhadores até alcançar a classe Política, a quem cabe(ria) gerenciar esse universo.

“Outubro Rosa” sim, como propõe a Campanha de Prevenção do Câncer de Mama (que também pode atingir os homens), mas, como lembra minha conselheira Dª Nena, um mês que se encerra com o Dia das Bruxas corre o risco de ter cores menos suaves, como, aliàs, tudo na vida, se não levarmos em conta que as tintas e os pincéis estão em nossas mãos.


*A autora escreve neste espaço toda segunda sexta-feira do mês. Parte de seus demais escritos sobre comportamento e outros temas abrangentes da experiência humana podem ser acessados e comentados no blog www.novaeleusis.blogspot.com

Publ. in Gazeta do Ipiranga, seção Coluna da Suzete, 14/10 2011, pág. D-6.

segunda-feira, 3 de outubro de 2011

"En garde"

Ontem, desconsolada por não conseguir resolver uma questão que me parecia importante, lembrei de uma entrevista que havia concedido em outubro de 2004 à Revista Bons Fluidos, para um artigo do jornalista Wilson F.D. Weigl, intitulado “Tente de Novo”, sobre a importância do ‘recomeçar’ quantas vezes necessário for.
Enveredei então Internet a fora (ou ‘a dentro’, se preferirem), buscando resgatar o que eu havia dito e, grata surpresa: de uma Revista Amazônica a um Portal sobre Diabetes, de uma Agência de Viagens a um blog Esotérico, de um site sobre Dança do Ventre a um portal de Futebol, de um site sobre a Intimidade da Mulher a um blog de Auto-ajuda, entre outros, todos citavam algumas de minhas reflexões e/ou as do festejado conferencista e escritor César Romão, bem como da importante pesquisadora geneticista Mayana Zatz.
Comentando o fato com minha amiga-quase-filha Patrícia, recebo (como sempre) uma injeção de ânimo: - “Isso merece uma crônica, não achas?”. Concordo e já me lanço ao computador, quando Dª Nena, que não perde a oportunidade de me ‘chamar às falas’, intervém: “Você parece a tartaruga Touché, sempre pronta a um desafio.”
Para quem não está lembrado, a Touché Turtle era uma engraçada personagem espadachim do programa infantil The New Hanna-Barbera, que estreou em 1962 e fez sucesso por décadas, inclusive entre o público adulto. Seu inesquecível mote era desembainhar a espada e bradar: “Em garde!”. E é no preciso momento em que escrevo isto, que percebo a importância da sugestão de Patrícia e a sutileza da ‘fala’ de minha conselheira.
“Em guarda”. É isso: atualmente, mais que nunca, temos que estar em guarda quanto a tudo que dizemos (ou escrevemos), pois o mundo se interconecta nas asas da Internet e as palavras se tornam pólen a disseminar ideias entre ‘flores’ das mais variadas cores.
Namastê.

segunda-feira, 12 de setembro de 2011

FACEBOOK

Quem se dedica a escrever sobre temas abrangentes da experiência humana precisa estar ‘antenado’ com as novas formas de relacionamento que a tecnologia oferece. Com esse propósito me lancei na interessante experiência do compartilhamento de amizades/ideias/ideais/sonhos/ realidades, enfim, de notícias (umas boas, outras nem tanto) e saberes (teóricos ou pragmáticos) que o Facebook nos proporciona.
Relacionamentos antigos ressurgem (do ‘Nada’), Fenix a nos relembrar marcas ambivalentes que as cinzas (do Tempo) insistem em remodelar. Relacionamentos atuais se consolidam na troca de ‘curtições’ e solidariedade, carinho e amizade, a alimentar nossas almas, mas também... nossos egos.
Enfim, o “face” tem a característica – como o próprio nome indica – de nos apresentar nossas (más)caras, nosso lado ‘Cara’ e nosso lado ‘Coroa’, moeda ambígua de troca que é nesse universo de personalidades de todas as ‘cores’ (lato senso).
Não obstante, esse contato nos enriquece na medida em que nos revela interesses/desejos/dores/alegrias comuns, expressos ou subentendidos, reforçando o sentimento de ‘pertença’ – esse estar-aqui - que nos ancora na comunidade, na sociedade, no mundo. ‘Somos’ se (e quando) @s outr@s existem.
Enfim, relacionar-se, ainda que virtualmente, é exercitar nossa musculatura psíquica e intelectual na busca de compreensão do sentido do viver. Oferecer nosso ‘melhor’ ao outro, seja ele quem for, é fazer jus à dádiva que a Providência nos oferece de estar conectados nesse incomensurável e multidimensional universo em que fomos tod@s lançad@s.
Namastê.

sexta-feira, 9 de setembro de 2011

De cabeças e Cabeçadas

Às vezes, uma simples palavra, frase ou situação, nos faz viajar no tempo e reviver acontecimentos que acreditávamos definitivamente sepultados. Uma das características de quem se dedica a escrever é aproveitar esses momentos para “fotografar” as experiências vividas e apresentá-las aos leitores e leitoras como “recordações de viagem”.
Essa forma de compartilhar vivências nos permite a todos, quero crer, repensar o cotidiano acrescentando-lhe novos pontos de vista. São viagens da alma, a exorcizar más lembranças e redimensionar alegrias, dando-lhes uma conotação mais realista. Essa a principal função da literatura.
Mas, como uma simples crônica não é o local nem a hora para viagens filosóficas mais profundas, como me alerta a bom tempo minha conselheira Dª Nena, vamos direto à frase que me inspirou estas ponderações: “A cabeça do velho está focada na doença”.
No contexto em que me foi dita, a expressão faz sentido, mas, nem sempre (graças a Deus) corresponde à realidade. Atualmente, boa parte das pessoas idosas, ainda que profissionalmente aposentadas, já não se limita aos próprios aposentos, como era o caso de minha avó sexagenária, sempre descansando em sua cadeira de balanço.
Ao contrário, libertos da subserviência que o ganha-pão e os compromissos familiares exigiam, a presença de idosos agora se faz sentir nos mais diversos campos de atuação, acrescentando qualidade à sua própria e às vidas de quem com elas convivem.
Assim, é com prazer que hoje vejo minha mãe nonagenária trocando e.mails com amigas de várias idades (ainda que às vezes tenha que nos pedir ajuda) ou se programando para assistir a uma palestra, cantar no Coral de uma instituição próxima à sua casa ou participar das várias reuniões e festinhas para as quais é convidada.
O fato é que não podemos mais conviver exclusivamente em ‘guetos’ (grupos de idosos, de homens, de jovens, etc), o que nos levaria a ‘focar a cabeça’ apenas em nossas próprias dores/interesses/desejos (dar as mesmas cabeçadas), perdendo a oportunidade de ‘abrir nossas cabeças’ a outras experiências e a novas visões de mundo.

Publ. in Coluna da Suzete,Gazeta do Ipiranga, 09/09/2011, pág. D-4.

quarta-feira, 7 de setembro de 2011

Brincadeiras à parte

Comemorar é lembrar junto (de “com” e “memorar”), uma forma de festejar acontecimentos marcantes na vida social a que o ser humano se dedica desde as mais “priscas eras”, como diria meu avô. Aliás, sei que utilizar essa antiga expressão “já era”, “é do pântano” como diriam meus netos, mas a uso intencionalmente e aproveito para lembrar aos mais jovens que ‘prisco’ significa ‘antigo’, prístino, vetusto (e aqui, caberia mais uma frase da nova geração: “Agora você tá zoando!”).
A essa altura de minhas considerações, minha conselheira Dª Nena me alerta (ou, se preferirem, resolve me ‘zoar’): “Que tal sair logo dos ‘considerando’ e partir para os ‘finalmente’, antes que acabe o espaço reservado à crônica?”. P’ra provocar, pergunto se ela sabe que ‘considerar’ vem de sidus (astro, de onde ‘sideral’), com o sentido de contemplar os astros, especular sobre o futuro, e ouço um lacônico “Desisto”.
Tento ainda dizer que ‘desistir’ de contemplar os astros ou de especular sobre o futuro (desiderare, que se contrapõe a considerare) é o sentido de desejar, desligar-se da ideia de destino, mas, com medo de perder os sábios conselhos, desisto (desculpem, não resisti ao trocadilho). A propósito, des-culpar, é desistir de culpar...
Brincadeiras etimológicas à parte, o que eu pretendia, de fato, assuntar nesta crônica, era o profundo significado de se comemorar um evento centenário, dadas as modificações histórico-sociais, tecnológicas e até linguísticas que a que somos submetidos pelo tempo, ou melhor, que submetemos ao tempo, já que nós o atravessamos em desenfreada busca de realização (de realizar nossos desejos, custe o que custar, já que não se pode confiar nos astros).
O fato é que, não obstante todos os sofrimentos, perdas e dificuldades relacionais e econômicas, guerras internas e externas que abalaram a comunidade ypiranguista nestes mais de cem anos de existência, sobrelevam a união, a garra e o desejo inabalável de engrandecimento de seus incontáveis sócios mantenedores e/ou desportistas, anônimos ou não.
E é na compaixão revelada nos difíceis momentos de perda ou na incontida alegria das comemorações que se percebe o sentimento de amor que nos une em torno do mesmo ideal e que ficou evidenciado na frase emocionada de um de nossos dirigentes: “É nessas horas que fica patente que somos mesmo uma família”, ao que outro aduziu: “nos momentos de desentendimento, também”.
Por via das dúvidas, acho que vou patentear minhas crônicas...

• Pós-graduada pela USP e co-autora de livros jurídicos, Suzete Carvalho escreve sobre vários temas relacionados à experiência humana, disponíveis no blog www.novaeleusis.blogspot.com

Publ.in Revista do Ypiranga, agosto/setembro/2011, pág.9

sexta-feira, 8 de julho de 2011

A Arte de (se) Irritar

Suzete Carvalho*
Considerando que o computador é meu instrumento de trabalho, tenho por hábito ‘bater os olhos’ nas chamadas da home page da Uol para me manter atualizada , até porque já não disponho de tempo para esmiuçar as notícias dos jornais e, seja dito a bem da verdade, de paciência para assistir (ou ouvir) aos noticiários de rádio e televisão.
Além dos intermináveis anúncios (ah, esse Mundo de Mercado), o que muitas vezes me deixa indignada, entre (várias) outras coisas que o espaço não me permite aprofundar, são as derrapadas – em geral eivadas de preconceito – de alguns apresentadores que se supõem ‘donos da verdade’ em todas as áreas, sem ter a menor noção das reais questões sociais que nos atormentam.
Enquanto procurava um mote para esta crônica, estava exatamente pensando a esse respeito, quando deparei com uma chamada para a postagem (04/07) “A Arte de Irritar” do blog de André Piunti. Devo ter sido sempre muito contestadora, pois a mera menção da palavra “irritar” teve o poder de despertar em mim a lembrança (com perdão do trocadilho) de minha mãe dizendo: “Tem tanta coisa que te irrita que se você não parar com isso vou te chamar de Rita”.
Hoje, minha neta Amanda, de oito anos (a mesma idade que eu deveria ter àquela altura), usa uma expressão mais condizente com os novos tempos. Ao ler minha crônica “Ora, minha senhora”, na qual narrei um episódio em que um ‘machista de plantão’ insinuava que as mulheres eram mais fracas do que os homens, exprimiu sua indignação com um sonoro “Quem disse?!”.
Sinal dos tempos. Novos tempos, em que todas as pessoas teem o direito de participação - sem distinção de idade, sexo, cor da pele, etc -, expressando alto e bom som suas opiniões, descontentamentos e opções. Tempos alvissareiros que se abrem ao diálogo entre todos os parceiros e parceiras sociais, pois, de alguma maneira cada um(a) de nós tem algo a oferecer para o aprimoramento relacional da sociedade. Basta ter coragem e não se omitir.

Publ. in Gazeta do Ipiranga, 08/07/2011, pág. E-6.

segunda-feira, 6 de junho de 2011

Eu quero ser Papa

Agumas lembranças da infância insistem em permanecer em nossa memória, como a exigir uma explicação lógica, especialmente quando os fatos são intrigantes à mente infantil. Tenho muitas dessas reminiscências mas uma, em especial, me ocorre neste momento.
Eu devia ter uns sete, oito anos, quando um casal muito interessante instalou-se na vizinhança. Como não tinham filhos, seu José e dona Maria sempre levavam consigo algumas balas, para deleite da criançada e seu próprio, pois se sentiam recompensados com nossa alegria ao encontrá-los. Mas o que nos atraía neles, realmente, era o fato de trabalharem num circo.
“O Senhor é palhaço, seu José?” – “Mais ou menos”, respondia enigmaticamente. - “Como assim, mais ou menos?” – “É que no circo, como na vida, palhaço também é gente séria e vice-versa”. – “Vice o quê?”. Meu pai se compadeceu de nossa curiosidade: “Está bem, amanhã levo você e sua irmã para assistirem ao espetáculo”.
Para nossa decepção, nossos vizinhos não estavam caracterizados como imaginávamos, mas representavam um padre e uma freira, entre vários outros, num esquete que não entendi. O que me ficou na memória, foi o fato de o Sr. José, a todo momento adentrar em cena, gritando: “Eu quero ser Papa”, ao que todos respondiam: “Eu também!” – “Porque todo mundo quer ser Papa?, perguntei. Jamais esqueci o sorriso de meu pai: “Um dia você vai entender, filha”.
Hoje, com certa tristeza, entendo. E mais me entristeço quando percebo que essa ambição desmesurada desmantela estruturas que teriam na união uma força inexpugnável, pois, divididos, os cardeais fragmentam os interesses do rebanho, tornando-o um alvo fácil de predadores.


*Publ. in Revista do Ypiranga n. 155, março/abril/2011, pág. 9.

sexta-feira, 13 de maio de 2011

Trabalho, trabalho, trabalho

Maio é pródigo em comemorações ligadas direta ou indiretamente ao trabalho, uma das questões mais complexas dentre as experiências humanas. Intelectual ou braçal, autônomo ou subordinado, prazeroso ou estressante, trabalho é investimento em qualidade de vida, quando não uma questão ainda maior, a da própria sobrevivência.

Construir uma vida, uma família, uma carreira, uma empresa, requer dedicação, coragem e sobretudo trabalho perseverante, às vezes diuturno, exaustivo, pleno de suor e paixão. Trabalho cansa, mas não estressa. O que estressa é nosso interior não trabalhado, que se deixa oprimir por dores outras – não do corpo, mas da alma -, como a inveja e o ressentimento, o medo e o preconceito, a culpa e a desesperança.

Consciente das questões político-econômicas que envolvem as comemorações como o “Dia do Trabalho”, “das Mães”, “da Libertação da Escravatura”, sempre que se aproxima esta época relembro Maria Amélia, Melzinha para as colegas a quem cativava com seu imenso sorriso e, verdade seja dita, com as fartas e deliciosas fatias de bolo com que na hora do cafezinho colocava doçura em nossas agruras cotidianas.

Afrodescendente cujos cabelos trançados faziam lembrar alguma princesa ou deusa africana perdida nos labirintos de meu subconsciente, Melzinha tinha uma beleza inata, interior e exterior que atraía sentimentos contraditórios, em especial nos machistas e preconceituosos de plantão. Altaneira, não se deixava abalar seja pelo assédio moral e sexual (questão sequer cogitada àquela época), seja pela tripla jornada, dona de casa, mãe e funcionária exemplar que era.

Costumávamos dizer que Amélia inspirara Mário Lago - que ironicamente expôs a exploração e o androcentrismo social, com a sutileza própria dos poetas, numa feliz parceria com Ataulfo Alves. Hoje, me permito relembrá-la como um símbolo de “mulher desdobrável” (para usar a expressão da poetiza Adélia Prado): trabalhadora, mãe e descendente de escravos. Pobre, mulher e negra. Triplamente discriminada. Triplamente heroína.

Publ. in Gazeta do Ipiranga, Coluna da Suzete, pág. D-4.

quarta-feira, 11 de maio de 2011

Acolhimento e Cultura

Adoro desafios, especialmente aqueles relacionados com o que mais gosto de fazer além de ler: escrevinhar sobre a experiência humana. Assim, nada me causa mais deleite do que ‘agarrar’ um tema e esmiuçá-lo, extrair-lhe os possíveis significados e fazê-los ‘dançar’ ao sabor das circunstâncias e das necessidades da alma.

Assim, aceitei como provocação pessoal a sugestão de uma das participantes do evento “Um pouco de Poesia nas Agruras do Dia a Dia” que a AFPESP proporciona mensalmente a seus associados da Capital - e que neste mês de junho está completando 4 anos -, de que as impressões causadas pelo enriquecedor diálogo ali desenvolvido (que o educador Hosaná Dantas, idealizador e coordenador do “Agruras” propõe como um humilde “jogar conversa fora”) merecia ser registrado por escrito, embora “talvez não comportasse uma crônica”.

O encontro capitaneado por Hosaná e pela Coordenadora de Cultura da Associação, Magali de Barros de Oliveira, tem o condão de, a partir de uma poesia – às vezes de conteúdo à primeira vista quase simplório, como foi o caso - , permitir aos participantes embarcarem numa deliciosa ‘viagem’ sócio-cultural, proporcionando algumas visões panorâmicas sobre as mais variadas questões.

Tendo como ‘ponto de partida’ o poema “O menino doente”, de Manuel Bandeira, navegamos pelos mares do “amor materno” e do “acolhimento”, passando pela literatura e pela importância do lúdico na educação e na vida, nos achegamos a arrecifes que requerem maior atenção como a “condição feminina”, rumando suavemente mar adentro para temas tão profundos como “projeção” e “espiritualidade”, numa vivência cultural intensa e abrangente.

O acolhimento carinhoso por parte dos responsáveis pelo evento permitiu, no dizer da ativa participante Sílvia, que nos “sentíssemos inteligentes” e que o diálogo fluísse espontaneamente entre risos, abraços e fotos, sem que nos déssemos conta da passagem do tempo. Destaque ainda para a aniversariante Hertha e suas ‘agruras’ para não perder o encontro e para a gentileza de Alfa, que ofereceu o livro “Você é o autor da sua história”, de Steve Chandler, para ser sorteado entre os participantes.

O autor ‘abre’ o livro (que, haja sincronicidade, tive a sorte de ganhar) com uma frase de Nietzche: “E os que dançavam foram julgados loucos por aqueles incapazes de ouvir a música”. Com razão o poeta Pessoa: “Navegar é preciso”, pois ainda há muitos mares a serem desbravados.


*Publ. in Folha do Servidor Público nº 222, Maio/2011, pág. 11.

domingo, 17 de abril de 2011

O MILAGRE DA VIDA

Às vezes, durante a vida, acontecimentos para os quais não estávamos preparados - se bem que poderiam ter sido previstos, se estivéssemos atentos -, nos abalam profundamente, a ponto de nos fazer sair do eixo, tal qual se deu com a Terra recentemente. Nesses momentos, pelos quais todos nós passamos, queiramos ou não, somos avassalados por tsunamis de emoção, que fazem transbordar nossas carências, nosso medo e insegurança a ponto de inundar os caminhos que antes percorríamos com displicente tranquilidade, sem nos dar conta de nossa vulnerabilidade.

É bem verdade que - por via das dúvidas, embora subestimando o poder dos mares revoltos – fomos construindo vida afora pequenos diques por toda a orla de nossas emoções, ingênuos mecanismos de defesa que acreditávamos ter o condão de nos proteger de todos os males. Diques que se rompem diante da pressão externa da mesma forma que, tomadas de surpresa, as fundações dos “sólidos edifícios” que construímos para nos abrigar das tormentas se desfazem qual castelos de areia, deixando desabrigados e perdidos nossos egos inflados em sua pretensiosa arrogância.

Egos que nos fazem esquecer que somos um entre bilhões de seres humanos, assim como a Terra é nada mais que um entre bilhões de planetas a girar em torno de bilhões de sóis, dispersos em bilhões de galáxias. Egos que, encarcerados nos individualismo, não se apercebem de nossa insignificância, da interdependência entre todos os seres e saberes e da necessidade de unirmos nosso conhecimento e nossas energias em prol do interesse comum.

O fato é que somos ignorantes até mesmo de nossos próprios processos mentais – e, principalmente, emocionais - , o que nos torna joguetes de forças que desconhecemos, sejam elas gravitacionais, atômicas ou mesmo econômico-financeiras, e que pretensiosamente acreditamos poder manipular, colocando inadvertidamente em risco, com nossa soberba, a vida do planeta e de seus habitantes.

Sentindo-me acuada por meus próprios pensamentos, peço socorro a minha conselheira Dª Nena que, prontamente, me tranquiliza: “Sua metáfora é interessante, mas talvez você devesse enfatizar mais a potencialidade para a superação, inata tanto nos seres humanos, quanto na Mãe-Terra. Potencialidade que se revela na pequena flor que desabrocha nos lugares mais inóspitos e devastados, ou no heroísmo cotidiano daqueles que revertem seu próprio sofrimento em solidariedade e amor. Esse o milagre da vida que, haja o que houver, renasce, se recria, continua...”


Publ. in Gazeta do Ipiranga, em 15/04/2011, pág. B-8.

sábado, 19 de março de 2011

Ora, minha Senhora!

Vez ou outra, pisciana que sou, meu aniversário coincide com os festejos de Carnaval. Este ano, a par dessa coincidência, outra efeméride ocorre no tríduo de Momo: o Dia internacional da Mulher. Essas considerações e uma expressão usada esta semana por famoso apresentador de televisão, me fizeram recordar um fato ocorrido há várias décadas ou, se preferirem, há muitos (muitos mesmo) Carnavais, em que, recém-casados, eu e meu marido nos refugiamos em pacata cidade do interior paulista para uma comemoração mais intimista.

Em lá chegando, ficamos felizes em conhecer um simpático casal de portugueses, também fugitivos de folias e foliões, o que nos pareceu fechar com chave de ouro nosso projeto de celebrar en petit comitê minha entrada na maioridade, em que pese eu haja suspeitado uma ligeira arrogância por parte do bem falante senhor, em flagrante contraste com a, digamos, humilde e silenciosa postura de sua bela esposa.

Conversa vai, conversa vem, acatamos alegremente a proposta para uma partida de “buraco”, inocente jogo de baralho em que – à falta de televisão, ainda incipiente nos lares e pequenos hotéis de classe média -, éramos craques (a “tranca” ainda não estava na moda). Logo percebemos que minha suspeita tinha fundamento, pois, à sugestão feita por meu marido, de sortearmos uma carta para a formação dos pares, o “bem falante” parceiro saiu-se com a seguinte pérola: “Bobagem sortear, vamos jogar casal contra casal, assim fica ‘um forte, uma fraca, um forte uma fraca’.” (!)

Inquirido sobre a razão que o levava a ter tanta certeza de que eu seria necessariamente uma adversária fraca, o ilustre cavalheiro respondeu com evidente tom de desprezo: - “Ora, minha senhora!”. Meu marido, brincando, utilizou um bordão de famoso comediante à época: - “Cuidado, moço”, o que despertou um brilho de inteligência na mulher e de deboche no homem. Bem, resta contar que, após perder várias partidas, nosso companheiro parece também ter perdido o apetite, pois, recolheu-se a reclamar da falta de atenção da esposa (aliás, bem mais atenta do que ele).

Hoje, em que pese a decantada evolução da condição feminina na sociedade e o advento do Dia Internacional da Mulher, ouço do supra-referido âncora da mídia televisiva, um sonoro “Ora, minha senhora”, ao se referir a alguém que incautamente ousou contradizê-lo. Meu marido, cuja memória e senso de humor continuam afiados, pergunta: - “Será que ele joga buraco?”.


* Publ. in Revista do Ypiranga, jan/fev 2011, pág. 16.

sábado, 12 de março de 2011

De Carnavais e outros Ais

Dizem que no Brasil o ano começa realmente depois do Carnaval. Não concordo, “punto e basta”, como dizia o herói da novela, atribuindo a frase aos italianos, como se estes a repetissem a torto e a direito. A fama de indolente dos brasileiros, reporta-se aos primórdios da “Nação-Colônia”, em que se imputava aos índios e negros, talvez como mecanismo de defesa (projeção) - pois, esses eram os únicos que, na verdade, trabalhavam -, a pecha da vadiagem.

O próprio Carnaval requer, para que se concretize como uma das maiores festas populares do mundo, um trabalho insano, braçal e intelectual, que se desenvolve a partir já do dia imediato ao de seu fim (a quarta-feira de cinzas), se é que termina, dizem aqueles que nos atribuem outra pecha: a de festeiros natos e eternos, sem contar a de “terra do jeitinho”, etc, etc.

Ora, pois, pois, diria minha avó portuguesa. Avó postiça, pois segunda esposa de meu avô; portuguesa mesmo, com a coragem e disposição de trabalho que soem ter as nascidas lá na “santa terrinha”, como de resto em outras tantas terras que nos legaram o estofo de que somos revestidas para enfrentar carnavais e muitos, muitos outros “ais”.

Já se vê que tento, aqui, privilegiar pela linguagem o componente feminino dessa nossa inefável população, formada de homens e mulheres (fifity/fifity, digo em inglês pra não perder a onda de ‘americolonização’ que perpetua nossos rótulos). Homens e mulheres, repito, que já têm (pasmem!) os mesmos direitos – e deveres, claro! – embora o senso comum ainda não se tenha conscientizado desse fato social, legal e constitucional.

Enfim, deponho aos pés da comunidade feminina minhas homenagens pela passagem do Dia Internacional da Mulher, cujos “ais” nem sempre são ouvidos – haja vista as recentes pesquisas sobre a violência doméstica –, mas não me furto a cumprimentar também a tantos homens, a quem não foi dedicado um “Dia”, mas que se fazem parceiros de nossos “ais” e carnavais.

*Publ. in Gazeta do Ipiranga, ed. de 11/03/2011, pág. C-8

sábado, 12 de fevereiro de 2011

Andanças e Mudanças

Desde criança, sempre senti uma atração irresistível por temas que dizem respeito à alma, à psique, ao espírito, ou o nome que quiserem dar àquilo que temos de mais sutil, de mais profundo, embora tenha consciência de que o corpo é importantíssimo nesta nossa travessia pela dimensão do tempo ou como dizem os espíritas e budistas, nesta encarnação.

Religiões à parte, o fato é que neste mundo, queiramos ou não, a única certeza que temos é a de que nada é permanente, a vida é puro movimento – ondas que se criam e se desfazem o tempo todo e, portanto, como dizia o poeta, “navegar é preciso”. Navegar por esses mares revoltos dos relacionamentos, seja conosco mesmos ou com todos aqueles que fazem o nosso entorno, companheiros de jornada na Terra.

É necessário saber mudar, ampliar nossa visão, encarar novos desafios, ter coragem de superar o medo que temos de perder aquilo que acreditamos possuir, vale dizer, os apegos que nos encarceram num mundinho “só nosso” e que são responsáveis por tantos sofrimentos desnecessários que carregamos vida afora.

Não por outro motivo, quando estamos estressados, os médicos nos aconselham a “mudar de ares”. A propósito, Dona Nena é mais direta quando percebe que alguma preocupação começa a me atormentar: “Vá dar uma volta, minha filha, não há melhor remédio p’ra arejar a cuca. Ah, e antes de sair, não esqueça de jogar seu problema no saco de reciclagem”.

Não sou tão ingênua a ponto de pensar que reciclar nossa mente e nossos condicionamentos, enfim, nossos problemas, é muito fácil, mas tento obedecer minha sábia conselheira na medida de minhas possibilidades e -, grata surpresa! -, muitas vezes volto para casa renovada e pronta para encarar as mudanças necessárias.


* Publ. in "Coluna da Suzete" do Jornal Gazeta do Ipiranga, edição de 11/02/2011, pág.B-2.

domingo, 30 de janeiro de 2011

PRECONCEITO - I

Domingo pela manhã, sou “arrancada” de um trabalho delicado, que exigia concentração, por um telefonema de alguém que se dizia pesquisadora da Data-Folha: “Bom Dia!!!! Tudo bem com a senhora? Nós estamos fazendo uma pesquisa sobre telefonia móvel. Será que a senhora disporia de uns minutos para responder a algumas perguntas?” Embora atarefadíssima, me disponho a colaborar: “Em princípio, posso.” – "Qual é o seu nome? Não precisa dizer o sobrenome. A senhora tem telefone móvel? Só a senhora que usa? Qual é a sua idade? Ah, me desculpe, sinto muito, mas não posso continuar a pesquisa. É que eles limitam a idade, sabe....................”.

segunda-feira, 17 de janeiro de 2011

Haiku I

Idólatras do Bezerro

Luta ferrenha

Por medalhas.

Falsos profetas

Lilith adormece Eva

alegria desperta

corpo e alma a bailar

Shiva cósmico

no eterno Aqui-Agora

do não-espaço infinito.


Abro as portas do Templo

moléculas se fazem carne

ilusão atômica

conspurca o Cálice

emerjo embriagada

entre falsos profetas

sexta-feira, 14 de janeiro de 2011

O Grande Barco

O desenvolvimento da linguagem foi, provavelmente, o grande fator que levou os seres humanos a se diferenciarem das outras espécies animais. Infelizmente, porém, a palavra, falada ou escrita, logo passou a ser fonte de poder por parte de alguns reacionários que, arbitrariamente, manipulam a verdade, temerosos de que as transformações sociais – aliás, inevitáveis – possam abalar seu status.
Mas, como ensinam os grandes mestres, o grande poder do ser humano não está na reação destruidora, mas no exercício da capacidade, que todos possuímos, de agir conscientemente. A alegre irreverência do povo brasileiro consolidou esse ensinamento na fórmula “malandro que é bom não chora, espera a volta”, insinuando na entrelinha que, para superar as agressões, é necessária atenção às voltas que a vida dá.
Essa velha sabedoria popular é importante, mas, como lembra minha conselheira Dª Nena, não é suficiente, porque não basta esperar, há que agir perseverantemente no aqui-e-agora, pois, “quem sabe, faz a hora, não espera acontecer”. Esta estrofe, banida da linguagem musical pelos déspotas da ditadura, tornou-se um símbolo bem brasileiro da coragem e criatividade que nos são inatas e das quais não prescindimos, mesmo que sob pressão.
Ainda que esses dons sejam gratuitos, é necessário agir para mantê-los, construindo diuturnamente nossa plena liberdade de ser e de viver em comunidade, respeitando nossas opções e diferenças sem sermos manipuladores, nem nos deixarmos manipular, pois estamos todos no mesmo barco, ou melhor, nós somos o grande barco da vida, que deve se manter à tona haja o que houver.
Assim, se quisermos qualificar nosso dia-a-dia e legar às novas gerações esse estado de equilíbrio e compreensão social, será indispensável levantar do sonho utópico de que podemos ficar deitados eterna e comodamente em esplêndido berço e procurar adestrar nossa musculatura intelectual e emocional, tanto quanto exercitamos nossos músculos físicos.


* Publ. na “Coluna da Suzete” do Jornal Gazeta do Ipiranga de 14/01/2011, pág. A-4.