domingo, 30 de janeiro de 2011

PRECONCEITO - I

Domingo pela manhã, sou “arrancada” de um trabalho delicado, que exigia concentração, por um telefonema de alguém que se dizia pesquisadora da Data-Folha: “Bom Dia!!!! Tudo bem com a senhora? Nós estamos fazendo uma pesquisa sobre telefonia móvel. Será que a senhora disporia de uns minutos para responder a algumas perguntas?” Embora atarefadíssima, me disponho a colaborar: “Em princípio, posso.” – "Qual é o seu nome? Não precisa dizer o sobrenome. A senhora tem telefone móvel? Só a senhora que usa? Qual é a sua idade? Ah, me desculpe, sinto muito, mas não posso continuar a pesquisa. É que eles limitam a idade, sabe....................”.

segunda-feira, 17 de janeiro de 2011

Haiku I

Idólatras do Bezerro

Luta ferrenha

Por medalhas.

Falsos profetas

Lilith adormece Eva

alegria desperta

corpo e alma a bailar

Shiva cósmico

no eterno Aqui-Agora

do não-espaço infinito.


Abro as portas do Templo

moléculas se fazem carne

ilusão atômica

conspurca o Cálice

emerjo embriagada

entre falsos profetas

sexta-feira, 14 de janeiro de 2011

O Grande Barco

O desenvolvimento da linguagem foi, provavelmente, o grande fator que levou os seres humanos a se diferenciarem das outras espécies animais. Infelizmente, porém, a palavra, falada ou escrita, logo passou a ser fonte de poder por parte de alguns reacionários que, arbitrariamente, manipulam a verdade, temerosos de que as transformações sociais – aliás, inevitáveis – possam abalar seu status.
Mas, como ensinam os grandes mestres, o grande poder do ser humano não está na reação destruidora, mas no exercício da capacidade, que todos possuímos, de agir conscientemente. A alegre irreverência do povo brasileiro consolidou esse ensinamento na fórmula “malandro que é bom não chora, espera a volta”, insinuando na entrelinha que, para superar as agressões, é necessária atenção às voltas que a vida dá.
Essa velha sabedoria popular é importante, mas, como lembra minha conselheira Dª Nena, não é suficiente, porque não basta esperar, há que agir perseverantemente no aqui-e-agora, pois, “quem sabe, faz a hora, não espera acontecer”. Esta estrofe, banida da linguagem musical pelos déspotas da ditadura, tornou-se um símbolo bem brasileiro da coragem e criatividade que nos são inatas e das quais não prescindimos, mesmo que sob pressão.
Ainda que esses dons sejam gratuitos, é necessário agir para mantê-los, construindo diuturnamente nossa plena liberdade de ser e de viver em comunidade, respeitando nossas opções e diferenças sem sermos manipuladores, nem nos deixarmos manipular, pois estamos todos no mesmo barco, ou melhor, nós somos o grande barco da vida, que deve se manter à tona haja o que houver.
Assim, se quisermos qualificar nosso dia-a-dia e legar às novas gerações esse estado de equilíbrio e compreensão social, será indispensável levantar do sonho utópico de que podemos ficar deitados eterna e comodamente em esplêndido berço e procurar adestrar nossa musculatura intelectual e emocional, tanto quanto exercitamos nossos músculos físicos.


* Publ. na “Coluna da Suzete” do Jornal Gazeta do Ipiranga de 14/01/2011, pág. A-4.