Vez ou outra, pisciana que sou, meu aniversário coincide com os festejos de Carnaval. Este ano, a par dessa coincidência, outra efeméride ocorre no tríduo de Momo: o Dia internacional da Mulher. Essas considerações e uma expressão usada esta semana por famoso apresentador de televisão, me fizeram recordar um fato ocorrido há várias décadas ou, se preferirem, há muitos (muitos mesmo) Carnavais, em que, recém-casados, eu e meu marido nos refugiamos em pacata cidade do interior paulista para uma comemoração mais intimista.
Em lá chegando, ficamos felizes em conhecer um simpático casal de portugueses, também fugitivos de folias e foliões, o que nos pareceu fechar com chave de ouro nosso projeto de celebrar en petit comitê minha entrada na maioridade, em que pese eu haja suspeitado uma ligeira arrogância por parte do bem falante senhor, em flagrante contraste com a, digamos, humilde e silenciosa postura de sua bela esposa.
Conversa vai, conversa vem, acatamos alegremente a proposta para uma partida de “buraco”, inocente jogo de baralho em que – à falta de televisão, ainda incipiente nos lares e pequenos hotéis de classe média -, éramos craques (a “tranca” ainda não estava na moda). Logo percebemos que minha suspeita tinha fundamento, pois, à sugestão feita por meu marido, de sortearmos uma carta para a formação dos pares, o “bem falante” parceiro saiu-se com a seguinte pérola: “Bobagem sortear, vamos jogar casal contra casal, assim fica ‘um forte, uma fraca, um forte uma fraca’.” (!)
Inquirido sobre a razão que o levava a ter tanta certeza de que eu seria necessariamente uma adversária fraca, o ilustre cavalheiro respondeu com evidente tom de desprezo: - “Ora, minha senhora!”. Meu marido, brincando, utilizou um bordão de famoso comediante à época: - “Cuidado, moço”, o que despertou um brilho de inteligência na mulher e de deboche no homem. Bem, resta contar que, após perder várias partidas, nosso companheiro parece também ter perdido o apetite, pois, recolheu-se a reclamar da falta de atenção da esposa (aliás, bem mais atenta do que ele).
Hoje, em que pese a decantada evolução da condição feminina na sociedade e o advento do Dia Internacional da Mulher, ouço do supra-referido âncora da mídia televisiva, um sonoro “Ora, minha senhora”, ao se referir a alguém que incautamente ousou contradizê-lo. Meu marido, cuja memória e senso de humor continuam afiados, pergunta: - “Será que ele joga buraco?”.
* Publ. in Revista do Ypiranga, jan/fev 2011, pág. 16.
sábado, 19 de março de 2011
sábado, 12 de março de 2011
De Carnavais e outros Ais
Dizem que no Brasil o ano começa realmente depois do Carnaval. Não concordo, “punto e basta”, como dizia o herói da novela, atribuindo a frase aos italianos, como se estes a repetissem a torto e a direito. A fama de indolente dos brasileiros, reporta-se aos primórdios da “Nação-Colônia”, em que se imputava aos índios e negros, talvez como mecanismo de defesa (projeção) - pois, esses eram os únicos que, na verdade, trabalhavam -, a pecha da vadiagem.
O próprio Carnaval requer, para que se concretize como uma das maiores festas populares do mundo, um trabalho insano, braçal e intelectual, que se desenvolve a partir já do dia imediato ao de seu fim (a quarta-feira de cinzas), se é que termina, dizem aqueles que nos atribuem outra pecha: a de festeiros natos e eternos, sem contar a de “terra do jeitinho”, etc, etc.
Ora, pois, pois, diria minha avó portuguesa. Avó postiça, pois segunda esposa de meu avô; portuguesa mesmo, com a coragem e disposição de trabalho que soem ter as nascidas lá na “santa terrinha”, como de resto em outras tantas terras que nos legaram o estofo de que somos revestidas para enfrentar carnavais e muitos, muitos outros “ais”.
Já se vê que tento, aqui, privilegiar pela linguagem o componente feminino dessa nossa inefável população, formada de homens e mulheres (fifity/fifity, digo em inglês pra não perder a onda de ‘americolonização’ que perpetua nossos rótulos). Homens e mulheres, repito, que já têm (pasmem!) os mesmos direitos – e deveres, claro! – embora o senso comum ainda não se tenha conscientizado desse fato social, legal e constitucional.
Enfim, deponho aos pés da comunidade feminina minhas homenagens pela passagem do Dia Internacional da Mulher, cujos “ais” nem sempre são ouvidos – haja vista as recentes pesquisas sobre a violência doméstica –, mas não me furto a cumprimentar também a tantos homens, a quem não foi dedicado um “Dia”, mas que se fazem parceiros de nossos “ais” e carnavais.
*Publ. in Gazeta do Ipiranga, ed. de 11/03/2011, pág. C-8
O próprio Carnaval requer, para que se concretize como uma das maiores festas populares do mundo, um trabalho insano, braçal e intelectual, que se desenvolve a partir já do dia imediato ao de seu fim (a quarta-feira de cinzas), se é que termina, dizem aqueles que nos atribuem outra pecha: a de festeiros natos e eternos, sem contar a de “terra do jeitinho”, etc, etc.
Ora, pois, pois, diria minha avó portuguesa. Avó postiça, pois segunda esposa de meu avô; portuguesa mesmo, com a coragem e disposição de trabalho que soem ter as nascidas lá na “santa terrinha”, como de resto em outras tantas terras que nos legaram o estofo de que somos revestidas para enfrentar carnavais e muitos, muitos outros “ais”.
Já se vê que tento, aqui, privilegiar pela linguagem o componente feminino dessa nossa inefável população, formada de homens e mulheres (fifity/fifity, digo em inglês pra não perder a onda de ‘americolonização’ que perpetua nossos rótulos). Homens e mulheres, repito, que já têm (pasmem!) os mesmos direitos – e deveres, claro! – embora o senso comum ainda não se tenha conscientizado desse fato social, legal e constitucional.
Enfim, deponho aos pés da comunidade feminina minhas homenagens pela passagem do Dia Internacional da Mulher, cujos “ais” nem sempre são ouvidos – haja vista as recentes pesquisas sobre a violência doméstica –, mas não me furto a cumprimentar também a tantos homens, a quem não foi dedicado um “Dia”, mas que se fazem parceiros de nossos “ais” e carnavais.
*Publ. in Gazeta do Ipiranga, ed. de 11/03/2011, pág. C-8
sábado, 12 de fevereiro de 2011
Andanças e Mudanças
Desde criança, sempre senti uma atração irresistível por temas que dizem respeito à alma, à psique, ao espírito, ou o nome que quiserem dar àquilo que temos de mais sutil, de mais profundo, embora tenha consciência de que o corpo é importantíssimo nesta nossa travessia pela dimensão do tempo ou como dizem os espíritas e budistas, nesta encarnação.
Religiões à parte, o fato é que neste mundo, queiramos ou não, a única certeza que temos é a de que nada é permanente, a vida é puro movimento – ondas que se criam e se desfazem o tempo todo e, portanto, como dizia o poeta, “navegar é preciso”. Navegar por esses mares revoltos dos relacionamentos, seja conosco mesmos ou com todos aqueles que fazem o nosso entorno, companheiros de jornada na Terra.
É necessário saber mudar, ampliar nossa visão, encarar novos desafios, ter coragem de superar o medo que temos de perder aquilo que acreditamos possuir, vale dizer, os apegos que nos encarceram num mundinho “só nosso” e que são responsáveis por tantos sofrimentos desnecessários que carregamos vida afora.
Não por outro motivo, quando estamos estressados, os médicos nos aconselham a “mudar de ares”. A propósito, Dona Nena é mais direta quando percebe que alguma preocupação começa a me atormentar: “Vá dar uma volta, minha filha, não há melhor remédio p’ra arejar a cuca. Ah, e antes de sair, não esqueça de jogar seu problema no saco de reciclagem”.
Não sou tão ingênua a ponto de pensar que reciclar nossa mente e nossos condicionamentos, enfim, nossos problemas, é muito fácil, mas tento obedecer minha sábia conselheira na medida de minhas possibilidades e -, grata surpresa! -, muitas vezes volto para casa renovada e pronta para encarar as mudanças necessárias.
* Publ. in "Coluna da Suzete" do Jornal Gazeta do Ipiranga, edição de 11/02/2011, pág.B-2.
Religiões à parte, o fato é que neste mundo, queiramos ou não, a única certeza que temos é a de que nada é permanente, a vida é puro movimento – ondas que se criam e se desfazem o tempo todo e, portanto, como dizia o poeta, “navegar é preciso”. Navegar por esses mares revoltos dos relacionamentos, seja conosco mesmos ou com todos aqueles que fazem o nosso entorno, companheiros de jornada na Terra.
É necessário saber mudar, ampliar nossa visão, encarar novos desafios, ter coragem de superar o medo que temos de perder aquilo que acreditamos possuir, vale dizer, os apegos que nos encarceram num mundinho “só nosso” e que são responsáveis por tantos sofrimentos desnecessários que carregamos vida afora.
Não por outro motivo, quando estamos estressados, os médicos nos aconselham a “mudar de ares”. A propósito, Dona Nena é mais direta quando percebe que alguma preocupação começa a me atormentar: “Vá dar uma volta, minha filha, não há melhor remédio p’ra arejar a cuca. Ah, e antes de sair, não esqueça de jogar seu problema no saco de reciclagem”.
Não sou tão ingênua a ponto de pensar que reciclar nossa mente e nossos condicionamentos, enfim, nossos problemas, é muito fácil, mas tento obedecer minha sábia conselheira na medida de minhas possibilidades e -, grata surpresa! -, muitas vezes volto para casa renovada e pronta para encarar as mudanças necessárias.
* Publ. in "Coluna da Suzete" do Jornal Gazeta do Ipiranga, edição de 11/02/2011, pág.B-2.
domingo, 30 de janeiro de 2011
PRECONCEITO - I
Domingo pela manhã, sou “arrancada” de um trabalho delicado, que exigia concentração, por um telefonema de alguém que se dizia pesquisadora da Data-Folha: “Bom Dia!!!! Tudo bem com a senhora? Nós estamos fazendo uma pesquisa sobre telefonia móvel. Será que a senhora disporia de uns minutos para responder a algumas perguntas?” Embora atarefadíssima, me disponho a colaborar: “Em princípio, posso.” – "Qual é o seu nome? Não precisa dizer o sobrenome. A senhora tem telefone móvel? Só a senhora que usa? Qual é a sua idade? Ah, me desculpe, sinto muito, mas não posso continuar a pesquisa. É que eles limitam a idade, sabe....................”.
segunda-feira, 17 de janeiro de 2011
Falsos profetas
Lilith adormece Eva
alegria desperta
corpo e alma a bailar
Shiva cósmico
no eterno Aqui-Agora
do não-espaço infinito.
Abro as portas do Templo
moléculas se fazem carne
ilusão atômica
conspurca o Cálice
emerjo embriagada
entre falsos profetas
alegria desperta
corpo e alma a bailar
Shiva cósmico
no eterno Aqui-Agora
do não-espaço infinito.
Abro as portas do Templo
moléculas se fazem carne
ilusão atômica
conspurca o Cálice
emerjo embriagada
entre falsos profetas
sexta-feira, 14 de janeiro de 2011
O Grande Barco
O desenvolvimento da linguagem foi, provavelmente, o grande fator que levou os seres humanos a se diferenciarem das outras espécies animais. Infelizmente, porém, a palavra, falada ou escrita, logo passou a ser fonte de poder por parte de alguns reacionários que, arbitrariamente, manipulam a verdade, temerosos de que as transformações sociais – aliás, inevitáveis – possam abalar seu status.
Mas, como ensinam os grandes mestres, o grande poder do ser humano não está na reação destruidora, mas no exercício da capacidade, que todos possuímos, de agir conscientemente. A alegre irreverência do povo brasileiro consolidou esse ensinamento na fórmula “malandro que é bom não chora, espera a volta”, insinuando na entrelinha que, para superar as agressões, é necessária atenção às voltas que a vida dá.
Essa velha sabedoria popular é importante, mas, como lembra minha conselheira Dª Nena, não é suficiente, porque não basta esperar, há que agir perseverantemente no aqui-e-agora, pois, “quem sabe, faz a hora, não espera acontecer”. Esta estrofe, banida da linguagem musical pelos déspotas da ditadura, tornou-se um símbolo bem brasileiro da coragem e criatividade que nos são inatas e das quais não prescindimos, mesmo que sob pressão.
Ainda que esses dons sejam gratuitos, é necessário agir para mantê-los, construindo diuturnamente nossa plena liberdade de ser e de viver em comunidade, respeitando nossas opções e diferenças sem sermos manipuladores, nem nos deixarmos manipular, pois estamos todos no mesmo barco, ou melhor, nós somos o grande barco da vida, que deve se manter à tona haja o que houver.
Assim, se quisermos qualificar nosso dia-a-dia e legar às novas gerações esse estado de equilíbrio e compreensão social, será indispensável levantar do sonho utópico de que podemos ficar deitados eterna e comodamente em esplêndido berço e procurar adestrar nossa musculatura intelectual e emocional, tanto quanto exercitamos nossos músculos físicos.
* Publ. na “Coluna da Suzete” do Jornal Gazeta do Ipiranga de 14/01/2011, pág. A-4.
Mas, como ensinam os grandes mestres, o grande poder do ser humano não está na reação destruidora, mas no exercício da capacidade, que todos possuímos, de agir conscientemente. A alegre irreverência do povo brasileiro consolidou esse ensinamento na fórmula “malandro que é bom não chora, espera a volta”, insinuando na entrelinha que, para superar as agressões, é necessária atenção às voltas que a vida dá.
Essa velha sabedoria popular é importante, mas, como lembra minha conselheira Dª Nena, não é suficiente, porque não basta esperar, há que agir perseverantemente no aqui-e-agora, pois, “quem sabe, faz a hora, não espera acontecer”. Esta estrofe, banida da linguagem musical pelos déspotas da ditadura, tornou-se um símbolo bem brasileiro da coragem e criatividade que nos são inatas e das quais não prescindimos, mesmo que sob pressão.
Ainda que esses dons sejam gratuitos, é necessário agir para mantê-los, construindo diuturnamente nossa plena liberdade de ser e de viver em comunidade, respeitando nossas opções e diferenças sem sermos manipuladores, nem nos deixarmos manipular, pois estamos todos no mesmo barco, ou melhor, nós somos o grande barco da vida, que deve se manter à tona haja o que houver.
Assim, se quisermos qualificar nosso dia-a-dia e legar às novas gerações esse estado de equilíbrio e compreensão social, será indispensável levantar do sonho utópico de que podemos ficar deitados eterna e comodamente em esplêndido berço e procurar adestrar nossa musculatura intelectual e emocional, tanto quanto exercitamos nossos músculos físicos.
* Publ. na “Coluna da Suzete” do Jornal Gazeta do Ipiranga de 14/01/2011, pág. A-4.
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