sexta-feira, 14 de outubro de 2011

OUTUBRO ROSA

O mês de outubro é inspirador, pois desde sua primeira semana é rico em exemplos de trabalho e amor: dia primeiro é a data comemorativa da angelical Terezinha do Menino Jesus, na qual se celebra também o Dia Internacional da Terceira Idade; dia dois é comemorado o nascimento de Gandhi (142 anos) e não por outro motivo foi declarado o Dia Internacional da Não-Violência, coincidentemente (ou não) o dia também consagrado a todos os Anjos; dia quatro é o dia em que se reverencia o inefável Francisco de Assis e, como não poderia deixar de ser, o dia dedicado aos Animais, nossos “irmãos”, como Francisco os chamava.

Meditar sobre o que representam esses ícones, com seus legados de esperança para o futuro da humanidade, é uma forma de criar condições propícias ao aprimoramento das relações do ser humano consigo mesmo, com o outro – seja-quem-for - e com o divino. Mensagens e exemplos de grandes homens e mulheres de todas as épocas, que marcaram a história da humanidade, são caminhos a serem seguidos especialmente em tempos de crise e uma das formas de reencantamento do mundo.

Para reverter o processo de violência e exclusão de que estamos saturados, temos que nos reconhecer como copartícipes de um todo social e planetário que, se tem muitas fraquezas, tem na diversidade uma das demonstrações de sua grande riqueza e na união uma manifestação de sua força criadora, haja vista os movimentos sociais, com forte participação estudantil, que culminaram em outubro de 1988, com a promulgação da Constituição Cidadã, precursora de novos tempos de liberdade.

Mas, as comemorações de outubro não param por aí: dia doze, consagrado à Padroeira do Brasil, celebramos também o Dia da Criança, com seu papel preponderante no encantamento da vida e dia quinze é dedicado aos professores, classe abnegada cuja vocação missionária é imprescindível ao desenvolvimento da criança, do jovem e consequentemente do país.

Enfim, importante lembrar que dezessete é o dia dedicado à Erradicação da Pobreza e vinte e oito ao Servidor Público, em homenagem abrangente que compreende desde os chamados ‘barnabés’, que encaram os menores salários e a maior parte dos serviços; o magistério e a magistratura sem cuja existência não haveria educação nem justiça; os policiais e militares de todas as categorias, sem os quais estaríamos à inteira mercê da violência; a classe médica (a quem é dedicado o dia dezoito) – com sua missão curadora; passando por incontáveis outros trabalhadores até alcançar a classe Política, a quem cabe(ria) gerenciar esse universo.

“Outubro Rosa” sim, como propõe a Campanha de Prevenção do Câncer de Mama (que também pode atingir os homens), mas, como lembra minha conselheira Dª Nena, um mês que se encerra com o Dia das Bruxas corre o risco de ter cores menos suaves, como, aliàs, tudo na vida, se não levarmos em conta que as tintas e os pincéis estão em nossas mãos.


*A autora escreve neste espaço toda segunda sexta-feira do mês. Parte de seus demais escritos sobre comportamento e outros temas abrangentes da experiência humana podem ser acessados e comentados no blog www.novaeleusis.blogspot.com

Publ. in Gazeta do Ipiranga, seção Coluna da Suzete, 14/10 2011, pág. D-6.

segunda-feira, 3 de outubro de 2011

"En garde"

Ontem, desconsolada por não conseguir resolver uma questão que me parecia importante, lembrei de uma entrevista que havia concedido em outubro de 2004 à Revista Bons Fluidos, para um artigo do jornalista Wilson F.D. Weigl, intitulado “Tente de Novo”, sobre a importância do ‘recomeçar’ quantas vezes necessário for.
Enveredei então Internet a fora (ou ‘a dentro’, se preferirem), buscando resgatar o que eu havia dito e, grata surpresa: de uma Revista Amazônica a um Portal sobre Diabetes, de uma Agência de Viagens a um blog Esotérico, de um site sobre Dança do Ventre a um portal de Futebol, de um site sobre a Intimidade da Mulher a um blog de Auto-ajuda, entre outros, todos citavam algumas de minhas reflexões e/ou as do festejado conferencista e escritor César Romão, bem como da importante pesquisadora geneticista Mayana Zatz.
Comentando o fato com minha amiga-quase-filha Patrícia, recebo (como sempre) uma injeção de ânimo: - “Isso merece uma crônica, não achas?”. Concordo e já me lanço ao computador, quando Dª Nena, que não perde a oportunidade de me ‘chamar às falas’, intervém: “Você parece a tartaruga Touché, sempre pronta a um desafio.”
Para quem não está lembrado, a Touché Turtle era uma engraçada personagem espadachim do programa infantil The New Hanna-Barbera, que estreou em 1962 e fez sucesso por décadas, inclusive entre o público adulto. Seu inesquecível mote era desembainhar a espada e bradar: “Em garde!”. E é no preciso momento em que escrevo isto, que percebo a importância da sugestão de Patrícia e a sutileza da ‘fala’ de minha conselheira.
“Em guarda”. É isso: atualmente, mais que nunca, temos que estar em guarda quanto a tudo que dizemos (ou escrevemos), pois o mundo se interconecta nas asas da Internet e as palavras se tornam pólen a disseminar ideias entre ‘flores’ das mais variadas cores.
Namastê.

segunda-feira, 12 de setembro de 2011

FACEBOOK

Quem se dedica a escrever sobre temas abrangentes da experiência humana precisa estar ‘antenado’ com as novas formas de relacionamento que a tecnologia oferece. Com esse propósito me lancei na interessante experiência do compartilhamento de amizades/ideias/ideais/sonhos/ realidades, enfim, de notícias (umas boas, outras nem tanto) e saberes (teóricos ou pragmáticos) que o Facebook nos proporciona.
Relacionamentos antigos ressurgem (do ‘Nada’), Fenix a nos relembrar marcas ambivalentes que as cinzas (do Tempo) insistem em remodelar. Relacionamentos atuais se consolidam na troca de ‘curtições’ e solidariedade, carinho e amizade, a alimentar nossas almas, mas também... nossos egos.
Enfim, o “face” tem a característica – como o próprio nome indica – de nos apresentar nossas (más)caras, nosso lado ‘Cara’ e nosso lado ‘Coroa’, moeda ambígua de troca que é nesse universo de personalidades de todas as ‘cores’ (lato senso).
Não obstante, esse contato nos enriquece na medida em que nos revela interesses/desejos/dores/alegrias comuns, expressos ou subentendidos, reforçando o sentimento de ‘pertença’ – esse estar-aqui - que nos ancora na comunidade, na sociedade, no mundo. ‘Somos’ se (e quando) @s outr@s existem.
Enfim, relacionar-se, ainda que virtualmente, é exercitar nossa musculatura psíquica e intelectual na busca de compreensão do sentido do viver. Oferecer nosso ‘melhor’ ao outro, seja ele quem for, é fazer jus à dádiva que a Providência nos oferece de estar conectados nesse incomensurável e multidimensional universo em que fomos tod@s lançad@s.
Namastê.

sexta-feira, 9 de setembro de 2011

De cabeças e Cabeçadas

Às vezes, uma simples palavra, frase ou situação, nos faz viajar no tempo e reviver acontecimentos que acreditávamos definitivamente sepultados. Uma das características de quem se dedica a escrever é aproveitar esses momentos para “fotografar” as experiências vividas e apresentá-las aos leitores e leitoras como “recordações de viagem”.
Essa forma de compartilhar vivências nos permite a todos, quero crer, repensar o cotidiano acrescentando-lhe novos pontos de vista. São viagens da alma, a exorcizar más lembranças e redimensionar alegrias, dando-lhes uma conotação mais realista. Essa a principal função da literatura.
Mas, como uma simples crônica não é o local nem a hora para viagens filosóficas mais profundas, como me alerta a bom tempo minha conselheira Dª Nena, vamos direto à frase que me inspirou estas ponderações: “A cabeça do velho está focada na doença”.
No contexto em que me foi dita, a expressão faz sentido, mas, nem sempre (graças a Deus) corresponde à realidade. Atualmente, boa parte das pessoas idosas, ainda que profissionalmente aposentadas, já não se limita aos próprios aposentos, como era o caso de minha avó sexagenária, sempre descansando em sua cadeira de balanço.
Ao contrário, libertos da subserviência que o ganha-pão e os compromissos familiares exigiam, a presença de idosos agora se faz sentir nos mais diversos campos de atuação, acrescentando qualidade à sua própria e às vidas de quem com elas convivem.
Assim, é com prazer que hoje vejo minha mãe nonagenária trocando e.mails com amigas de várias idades (ainda que às vezes tenha que nos pedir ajuda) ou se programando para assistir a uma palestra, cantar no Coral de uma instituição próxima à sua casa ou participar das várias reuniões e festinhas para as quais é convidada.
O fato é que não podemos mais conviver exclusivamente em ‘guetos’ (grupos de idosos, de homens, de jovens, etc), o que nos levaria a ‘focar a cabeça’ apenas em nossas próprias dores/interesses/desejos (dar as mesmas cabeçadas), perdendo a oportunidade de ‘abrir nossas cabeças’ a outras experiências e a novas visões de mundo.

Publ. in Coluna da Suzete,Gazeta do Ipiranga, 09/09/2011, pág. D-4.

quarta-feira, 7 de setembro de 2011

Brincadeiras à parte

Comemorar é lembrar junto (de “com” e “memorar”), uma forma de festejar acontecimentos marcantes na vida social a que o ser humano se dedica desde as mais “priscas eras”, como diria meu avô. Aliás, sei que utilizar essa antiga expressão “já era”, “é do pântano” como diriam meus netos, mas a uso intencionalmente e aproveito para lembrar aos mais jovens que ‘prisco’ significa ‘antigo’, prístino, vetusto (e aqui, caberia mais uma frase da nova geração: “Agora você tá zoando!”).
A essa altura de minhas considerações, minha conselheira Dª Nena me alerta (ou, se preferirem, resolve me ‘zoar’): “Que tal sair logo dos ‘considerando’ e partir para os ‘finalmente’, antes que acabe o espaço reservado à crônica?”. P’ra provocar, pergunto se ela sabe que ‘considerar’ vem de sidus (astro, de onde ‘sideral’), com o sentido de contemplar os astros, especular sobre o futuro, e ouço um lacônico “Desisto”.
Tento ainda dizer que ‘desistir’ de contemplar os astros ou de especular sobre o futuro (desiderare, que se contrapõe a considerare) é o sentido de desejar, desligar-se da ideia de destino, mas, com medo de perder os sábios conselhos, desisto (desculpem, não resisti ao trocadilho). A propósito, des-culpar, é desistir de culpar...
Brincadeiras etimológicas à parte, o que eu pretendia, de fato, assuntar nesta crônica, era o profundo significado de se comemorar um evento centenário, dadas as modificações histórico-sociais, tecnológicas e até linguísticas que a que somos submetidos pelo tempo, ou melhor, que submetemos ao tempo, já que nós o atravessamos em desenfreada busca de realização (de realizar nossos desejos, custe o que custar, já que não se pode confiar nos astros).
O fato é que, não obstante todos os sofrimentos, perdas e dificuldades relacionais e econômicas, guerras internas e externas que abalaram a comunidade ypiranguista nestes mais de cem anos de existência, sobrelevam a união, a garra e o desejo inabalável de engrandecimento de seus incontáveis sócios mantenedores e/ou desportistas, anônimos ou não.
E é na compaixão revelada nos difíceis momentos de perda ou na incontida alegria das comemorações que se percebe o sentimento de amor que nos une em torno do mesmo ideal e que ficou evidenciado na frase emocionada de um de nossos dirigentes: “É nessas horas que fica patente que somos mesmo uma família”, ao que outro aduziu: “nos momentos de desentendimento, também”.
Por via das dúvidas, acho que vou patentear minhas crônicas...

• Pós-graduada pela USP e co-autora de livros jurídicos, Suzete Carvalho escreve sobre vários temas relacionados à experiência humana, disponíveis no blog www.novaeleusis.blogspot.com

Publ.in Revista do Ypiranga, agosto/setembro/2011, pág.9

sexta-feira, 8 de julho de 2011

A Arte de (se) Irritar

Suzete Carvalho*
Considerando que o computador é meu instrumento de trabalho, tenho por hábito ‘bater os olhos’ nas chamadas da home page da Uol para me manter atualizada , até porque já não disponho de tempo para esmiuçar as notícias dos jornais e, seja dito a bem da verdade, de paciência para assistir (ou ouvir) aos noticiários de rádio e televisão.
Além dos intermináveis anúncios (ah, esse Mundo de Mercado), o que muitas vezes me deixa indignada, entre (várias) outras coisas que o espaço não me permite aprofundar, são as derrapadas – em geral eivadas de preconceito – de alguns apresentadores que se supõem ‘donos da verdade’ em todas as áreas, sem ter a menor noção das reais questões sociais que nos atormentam.
Enquanto procurava um mote para esta crônica, estava exatamente pensando a esse respeito, quando deparei com uma chamada para a postagem (04/07) “A Arte de Irritar” do blog de André Piunti. Devo ter sido sempre muito contestadora, pois a mera menção da palavra “irritar” teve o poder de despertar em mim a lembrança (com perdão do trocadilho) de minha mãe dizendo: “Tem tanta coisa que te irrita que se você não parar com isso vou te chamar de Rita”.
Hoje, minha neta Amanda, de oito anos (a mesma idade que eu deveria ter àquela altura), usa uma expressão mais condizente com os novos tempos. Ao ler minha crônica “Ora, minha senhora”, na qual narrei um episódio em que um ‘machista de plantão’ insinuava que as mulheres eram mais fracas do que os homens, exprimiu sua indignação com um sonoro “Quem disse?!”.
Sinal dos tempos. Novos tempos, em que todas as pessoas teem o direito de participação - sem distinção de idade, sexo, cor da pele, etc -, expressando alto e bom som suas opiniões, descontentamentos e opções. Tempos alvissareiros que se abrem ao diálogo entre todos os parceiros e parceiras sociais, pois, de alguma maneira cada um(a) de nós tem algo a oferecer para o aprimoramento relacional da sociedade. Basta ter coragem e não se omitir.

Publ. in Gazeta do Ipiranga, 08/07/2011, pág. E-6.

segunda-feira, 6 de junho de 2011

Eu quero ser Papa

Agumas lembranças da infância insistem em permanecer em nossa memória, como a exigir uma explicação lógica, especialmente quando os fatos são intrigantes à mente infantil. Tenho muitas dessas reminiscências mas uma, em especial, me ocorre neste momento.
Eu devia ter uns sete, oito anos, quando um casal muito interessante instalou-se na vizinhança. Como não tinham filhos, seu José e dona Maria sempre levavam consigo algumas balas, para deleite da criançada e seu próprio, pois se sentiam recompensados com nossa alegria ao encontrá-los. Mas o que nos atraía neles, realmente, era o fato de trabalharem num circo.
“O Senhor é palhaço, seu José?” – “Mais ou menos”, respondia enigmaticamente. - “Como assim, mais ou menos?” – “É que no circo, como na vida, palhaço também é gente séria e vice-versa”. – “Vice o quê?”. Meu pai se compadeceu de nossa curiosidade: “Está bem, amanhã levo você e sua irmã para assistirem ao espetáculo”.
Para nossa decepção, nossos vizinhos não estavam caracterizados como imaginávamos, mas representavam um padre e uma freira, entre vários outros, num esquete que não entendi. O que me ficou na memória, foi o fato de o Sr. José, a todo momento adentrar em cena, gritando: “Eu quero ser Papa”, ao que todos respondiam: “Eu também!” – “Porque todo mundo quer ser Papa?, perguntei. Jamais esqueci o sorriso de meu pai: “Um dia você vai entender, filha”.
Hoje, com certa tristeza, entendo. E mais me entristeço quando percebo que essa ambição desmesurada desmantela estruturas que teriam na união uma força inexpugnável, pois, divididos, os cardeais fragmentam os interesses do rebanho, tornando-o um alvo fácil de predadores.


*Publ. in Revista do Ypiranga n. 155, março/abril/2011, pág. 9.