“A muitas pessoas pode passar
despercebido, dado nosso condicionamento cultural, mas a mim me incomoda ver
repetidas à exaustão, entre outras, frases como “Um país se faz com homens e
livros”, escritas num contexto social fortemente androcêntrico e racista, em
que às mulheres – ainda que alçadas a “importantes” personagens de romances e
histórias infantis - cabia o papel exclusivo de cuidarem da casa, de
seu “senhor” e suas crianças. Às Anastácias, duplamente discriminadas, competia
meramente servir às famílias de “bem”, ou, se preferirem, de “bens”.
Nada contra nosso grande
escritor, muito ao contrário – até porque minha infância foi marcada pelas
deliciosas reinações que o mais famoso Sítio literário do Brasil nos oferecia -,
mas há que considerar que hoje vivemos um novo contexto social que, (re)tirando
as mulheres do âmbito privado e do papel exclusivo de cuidadoras, santas ou
prostitutas, começa a alçá-las, como às demais “ditas” minorias, a co-partícipes
de fato e de direito de seus próprios destinos e, por consequência, dos
destinos do país. Hoje sabemos, pois,
que a sociedade é bem mais complexa do que uma linguagem ultrapassada pode
comportar.
Assim, acredito que, se nos
propusermos a substituir a palavra “homem” pela palavra “pessoa”, toda vez que
nos referirmos aos seres humanos em geral, conseguiremos paulatinamente
amenizar uma das injustiças sócio-culturais mais potentes dos últimos milênios:
a opressão pela linguagem. Por outro
lado, livros são, sim, necessários à nossa formação – eu mesma me considero um
bicho-de-livro desde sempre - , mas conhecimento teórico já não é suficiente
para dar conta das profundas desigualdades sociais que a cultura excludente
gerou.
Já não nos basta repetir mântrica
e aleatoriamente frases de pressuposta sabedoria das “autoridades” eleitas
pelos donos do Poder, seja ele político, econômico ou literário. Ler, sim, sempre, mas procurar agir
conscientemente em prol de uma efetiva cidadania para todas as pessoas,
participando na medida do possível de movimentos sociais, usando uma linguagem
inclusiva e, portanto, menos androcêntrica, seria um passo importante para
combater o analfabetismo funcional, midiático e ideológico, colaborando
efetivamente para a implantação da Cultura de Paz que tanto almejamos.”
sc/ 26/08/2013
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