Minha
Mãe dizia
Hoje acordei com a lembrança insistente
de um dos provérbios que ouvi à exaustão quando era jovem: “Quem não se
enfeita, por si se enjeita”. Como sempre
faço quando algo se me apresenta à reflexão, fiquei tentando extrair algum
sentido, não dos “ensinamentos” que o ditado poderia (ou não) conter, mas
do fato de (man)tê-lo como pano de fundo durante parte da manhã - como aquelas
músicas que, de repente, se instalam em nossa mente a (nos fazer) cantarolar
por horas a fio.
Ditos populares, a meu ver, nem
sempre são tão ingênuos ou, se preferirem, simplórios, quanto as pessoas que os
repetem a torto e a direito. Por outro
lado, nem sempre contêm a sabedoria apregoada por nossos antepassados. Em outras palavras, eu diria que provérbios
são como os livros de auto-ajuda: uma bengala para aqueles cujos pensamentos
capengam por falta de uso, mas que – até por isso mesmo -, não deixam de ter alguma
utilidade.
Uma das questões mais perversas
desses bordões é que suas receitas, em geral, incluem dentre seus ingredientes ‘generosas’
doses de preconceito adocicadas com algumas colheradas de mel de suspeita
qualidade: a ‘pretensa’ sabedoria neles contidas. Não posso imaginar, por
exemplo, uma mãe repetindo o provérbio em questão a seu filho adolescente. Ao
contrário, provavelmente, como ouvi recentemente de uma mãe “zelosa de seus
deveres”, ela diria: “Troca essa bermuda toda amassada, rapaz! Vão pensar que
você não tem mãe (pra cuidar de suas roupas)”.
Às meninas é incutida a ideia de
que precisam se enfeitar para serem aceitas, até por si mesmas. Os meninos, ao contrário, são aceitos pelo
simples fato pertencerem ao sexo masculino, ou melhor, serem “homens com H
maiúsculo”, pois se não o forem, dá-lhe provérbios, piadas e toda sorte de
discriminações quiçá mais violentas que as reservadas às mulheres...
O fato é que, feliz ou
infelizmente, cresci ao som de ditados, nos quais minha mãe, em sua santa
ingenuidade de órfã precoce, sempre foi pródiga. Contestadora, às vezes eu
reagia à ‘lição’ e era colocada “de castigo” pelo desrespeito, sentada em um
banquinho (até confortável, diga-se de passagem), para pensar “sobre tudo isso”!?. E eu pensava mesmo! Pensava tanto que me habituei a refletir a
respeito de tudo que ouço-leio-vejo-sinto, embora não seja muito afeita a
sentar em banquinhos... Pensava tanto, que não via o tempo passar e, até hoje
me entrego com prazer a essa espécie de “solitude criativa”.
Enfim, acredito válido considerar
a lembrança da ‘máxima’ em questão, como uma sincronicidade, o que me levou a
conceber uma nova série em meus escritos, a que intitularei “Minha mãe dizia”. Embora meu baú de relíquias da espécie “ditos
populares” esteja razoavelmente sortido, as sugestões dos amigos e amigas com
certeza mais o enriquecerá.
Namastê!
2 comentários:
Querida, gostei muito da sua reflexão. Ela também me levou ao passado e à lembrança do que "minha mãe dizia"... E estes provérbios podem, sim, nos dar direção ou menos motivos justos para suspeitarmos do que nos é imposto culturalmente "desde sempre", sobretudo no que diz respeito a meninos/meninas, homens/mulheres... Obrigada. Beijos. Eugênia.
Eugênia querida, seus comentários são sempre enriquecedores. Obrigada sempre! Beijos.
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