quinta-feira, 30 de abril de 2009

UTI e a Síndrome de Estocolmo

Esta manhã, acordei com a sensação de que havia voltado do hospital com a “Síndrome de Estocolmo” e fiquei intrigada. Para quem não lembra, a síndrome está relacionada, entre outros “sintomas”, às tentativas de a vítima superestimar, em geral como mecanismo de defesa e devido ao estresse físico e emocional a que está submetida, os eventuais gestos de gentileza de seus sequestradores.
Até agora, jamais havia pensado numa UTI como uma espécie de “cativeiro”, em que o paciente dá entrada, até certo ponto por moto próprio, e se torna refém de um grupo organizado, devendo se submeter às ordens emanadas por todos os membros da equipe.
Tendo passado, há poucos dias, pela experiência da “terapia intensiva” – sempre um tanto traumática –, e entusiasmada pela rápida recuperação e pelo carinho recebido de alguns dos profissionais que me atenderam, meu primeiro impulso foi postar um depoimento no blog, retratando o mais fielmente possível a epopéia médico-hospitalar vivida.
Hoje, ainda sob impressão matutina e já passados cinco dias da “Alta Médica”, voltei a pensar no assunto com mais ponderação, como, aliás, sempre faço após a ocorrência de fatos marcantes nos quais tenha estado envolvida. Essa postura de observadora, me isenta de distorções emocionais, eis que despida, neste caso, não mais das roupas (que me foram “confiscadas” à entrada da UTI), mas da excitação que caracteriza o comportamento de alguém recém saído de situações dolorosas.
Após refletir durante todo o dia sobre o assunto e movida também pelos comentários de leitores e amigos, inclusive da área médica, percebo que a questão é muito mais complexa. O fato é que minhas preocupações, como sempre, transcendem essa situação específica, conforme declarei em resposta a um comentário deixado no blog, na matéria intitulada “Epopéia médico-hospitalar”.
Por ora, remeto-os à matéria citada. Voltarei ao assunto.

Momentos

Num momento a inspiração noutro a apatia mental a gargalhar da luta do intelecto para prosseguir e criar contestar clamar declamar aclamar reclamar coração a chorar eterno recomeçar.

segunda-feira, 27 de abril de 2009

Epopéia médico-hospitalar

Fala-se muito da questão da Saúde no Brasil, sempre enfocando seu lado negativo, o que acaba “respingando” nos profissionais da área, cuja grande maioria é, como no geral, em todas as outras categorias, formada por pessoas éticas, competentes e bem intencionadas que acabam servindo como bodes expiatórios das mazelas institucionais.
No afã de criticar, nestes tempos de caça às bruxas, nos esquecemos de computar o quanto de paciência, abnegação e altruísmo é despendido por aqueles que se dedicam à recuperação de pacientes, tantas vezes despreparados para colaborar com a equipe de atendimento, seja por estarem fragilizados fisicamente, seja por ignorância ou mesmo pela expectativa de um mau atendimento, fundada no excesso de informações depreciativas.
Acabo de passar por uma importante experiência de vida relacionada a esse assunto, que por uma questão de justiça me vejo na obrigação de descrever. Dia 23 de abril, lá pelas onze horas da noite, comecei a sentir pontadas no tórax que pareciam irradiar-se para a mandíbula. Como tenho alguns problemas cardíacos, meu marido e meu genro me levaram ao Pronto Socorro do Hospital Oswaldo Cruz, onde faço acompanhamento clínico.
O médico de plantão, Dr. João Henrique Narciso, ligou imediatamente para minha médica, Dra. Lúcia Leal Guerra, que o instruiu sobre meus problemas específicos. Antes da meia-noite eu estava monitorada e devidamente medicada. Os enfermeiros Marcelo e Sandra se revezavam a todo momento com João Henrique, a me examinar e fazer a leitura do monitor, sempre sorridentes e bem-humorados. Às três horas da manhã fui avisada de que, como minha pressão arterial e batimentos cardíacos continuavam instáveis, eu precisaria ser removida para a UTI. A notícia me foi dada com um beijo na cabeça (pelo médico) e um convite inusitado: “quando sarar venha nos visitar”.
A seguir, um “susto”: não havia vaga na UTI do Hospital, mas, mesmo que houvesse, teríamos que depositar quarenta mil reais, pois o Convênio não autorizava internação cardiológica naquela Unidade. Em compensação, a recepção do PS entrou em contato na mesma hora com o serviço de urgência do Convênio, que providenciou rapidamente uma ambulância/resgate para me transportar.
Antes das quatro horas, já estava devidamente instalada e monitorada na UTI do Hospital de Cardiologia TotalCor, onde vivi horas surpreendentes em vários sentidos. Logo ao dar entrada, fui recebida por um enfermeiro que se apresentou: “Meu nome é Santhiago e eu estou aqui para atendê-la. Pode me chamar a qualquer momento e não se preocupe, vai dar tudo certo”.
Feliz ou infelizmente, o box em que fui colocada ficava ao lado de uma sala para “casos difíceis”, onde uma senhora portuguesa, que além de problemas cardíacos sofria do Mal de Altzheimer, gritava a plenos pulmões: “Sucóooooooorro, me tirem daqui. Padre Mãrceeeeelo, me ajuuuude” e outras frases tragi-cômicas (algumas impublicáveis). Enfermeiros e médicos se revezavam tentando acalmá-la, mas não descuidavam de mim.
Em certo momento, quando tentava colocar um cateter em minha mão, Santhiago desabafou: “Incrível que justamente quando um paciente tranqüilo como a senhora está precisando descansar um pouco, alguém tenha que fazer esse barulho”. Nesse momento, dei um pequeno gemido, pois as veias de minha mão (e eu própria) já estamos fragilizadas pela idade. Nova surpresa: Santhiago beijou meus dedos , dizendo: “Eu machuquei a senhora? Perdão. Daria tudo pra não fazê-la sofrer”. Angina abrandada e pressão arterial estabilizada, tentei dormir, mas não consegui.
Pela manhã, tentei negociar com o médico minha alta definitiva. Ouvi: "Você teve angina e está numa UTI. Não posso deixá-la ir diretamente para casa, mas se continuar reagindo bem, à tarde vou liberá-la para o quarto, para ficar um pouco em observação. Em seguida, recebi a visita de um nutricionista: “O que a senhora gostaria de comer”? Por incrível que pareça, durante toda a minha (curta, é verdade) permanência no Hospital, todas as refeições foram servidas exclusivamente com os pratos de minha preferência. Confesso que minhas necessidades “gastronômicas” são absolutamente frugais, em que pese o paradoxo, mesmo assim fiquei surpresa com a atenção.
A seguir, outra surpresa: Nilson, o enfermeiro que substituíra Santhiago na troca de plantão, perguntou: “Gostaria de uma massagem nas costas, pra diminuir o trauma da cama”? Suas mãos foram delicadas e o gel que utilizou exalava um aroma suave e relaxante. Ao sair, disse: “Quer tomar um suco ou uma água? Prefere a luz acesa ou apagada? Agora tente descansar um pouco, que eu soube que essa noite foi difícil”. A propósito, dona Isabel recomeçara a gritar por Padre Marcelo, Padre Alberto e toda a Cúria cujos membros ela parecia conhecer intimamente. Por seu lado, as máquinas que nos monitoravam, se revezaram noite e dia com a senhora portuguesa, em seu intermitente (e cansativo) dim-dom.
À tarde, visita da fisioterapeuta, delicada e sorridente: “Quer tentar uns movimentos pra diminuir as sequelas do leito prolongado?” Aceitei e me senti recuperada. Nati (para os íntimos), a enfermeira que substituiu Nilson, percebendo minha disposição, segredou: “Ouvi o médico dizendo que vai lhe dar alta para o quarto. Quer tomar um banho aqui ou prefere tomar do seu jeito, no quarto”? Como preferisse do meu jeito, sugeriu: “Então, quer dar uma voltinha? (vislumbrei uma cadeira de rodas atrás da cortina) e lá fomos nós. No caminho, um encontro casual com o médico: “Olá, vou lhe dar alta da UTI, está bem”?
Nati não me largou mais, salvo para atender algum grito mais assustador de dona Isabel (a que todos acorriam), até me “entregar” à equipe de enfermagem do quarto. Ao chegarmos, me apresentou: “Esta é a Dona Suzete. Ela é muito tranqüila”. Um dos enfermeiros levantou, todo sorridente: “Que bom, seja bem-vinda. Qualquer coisa é só chamar”. E me senti bem-vinda mesmo, porque o atendimento continuou carinhoso e competente. Antes de se retirar, Nati segurou minhas mãos e desejou boa sorte. Deu dois passos, voltou e me abraçou.
Mais tarde, minha filha, “companheirona”, chegou para “dormir” comigo. No dia seguinte, recebi alta, não sem que o médico, Dr. Daniel Janczuk, se desculpasse pela demora: “Se eu soubesse que você estava louca para ir embora, teria passado primeiro aqui. Desculpe pela demora. Vou fazer o relatório rapidinho”. Como nem tudo é perfeito, tive que ficar para o almoço, pois o “sistema” ficou fora do ar algum tempo. Dr. Daniel, que ainda estava no andar, brincou com meu marido: “Eu fiz a minha parte”. Todos fizeram o melhor possível.
Antes de voltar para casa, passei pela cabeleireira, que ninguém é de ferro. Em seguida, fui consolar minha mãe e, depois, meus netos, que estavam ansiosos. Foram quarenta e oito horas de vivência intensa, em que não faltaram situações dolorosas, nem cômicas e, muito menos, carinho e atenção.
Claro que me deparei com um ou dois médicos ou atendentes mais arrogantes, mas esqueci seus nomes. Talvez não tenham escolhido a profissão correta, pois não dignificam a categoria. As acomodações também não foram especialmente confortáveis ou luxuosas, mas parabenizo a Amil Saúde – Administradora do Hospital, pelo investimento no humano e agradeço a Deus pelo privilégio de estar em condições de agradecer. Quanto à minha família, sou suspeita demais para falar e espero que me perdoem o susto. Vou tentar me cuidar melhor.

São Paulo, 27 de abril de 2009

domingo, 26 de abril de 2009

48 horas

23 de abril dor no peito PS perguntas injeção na barriga surpresa não doeu Monitor “tá caindo” perguntas “tá instável” interna 40.000? surpresa beijo na cabeça “Adeus volte pra me ver” maca Resgate/UTI maca monitor perguntas soro barulho sono cateter “doeu”? surpresa beijo na mão “perdão” troca de plantão barulho perguntas picada sono surpresa massaginha nas costas? luz barulho sono maca quarto! perguntas picada sono... 25 de abril “que aconteceu, vó”? “nada, meu amor, vovó está de volta”.

*Expressões pinçadas de crônica/depoimento a serem publicados. Tudo tão recente ainda...sono...

quinta-feira, 23 de abril de 2009

Burocracia

Diz-se da burocracia,
que é própria de funcionários,
mas em toda e qualquer parte
a alienação é geral. Total.
E os barnabés, qual otários
sofrem na pele a cobrança. Herança
do pecado original.

Na verdade o que existe
- e ao particular se aplica -,
esta história especifica:
você chega e se explica,
qualifica, identifica.
E então tem o ensejo
de apreciar um bocejo
estúpido. Irracional.

É uma grande displicência
própria do mundo atual,
não só do funcionalismo.
É da infeliz maioria
que faz o seu dia-a-dia
de ausência. De apatia. Egoismo
sem clemência. Dormência,
mais própria de animal.

*Escrita a pedido de servidores da Justiça do Trabalho da 2ª Região, de cuja Associação a autora foi Presidente.
**Publicada no Jornal "O Meirinho em Roteiro", ed. fev/março/1981, pág. 7.

segunda-feira, 20 de abril de 2009

Grandes Personalidades Femininas

George Sand, em torno da qual giravam:
Chopin, Musset, Vigny, etc.

Amandine Aurore Lucie Dupin, para se realizar profissionalmente, viu-se obrigada a adotar o masculino pseudônimo de “George Sand”. Talvez isso sirva de consolo às feministas mais radicais, pois, em “apenas” pouco mais de dois séculos já conseguimos assinar nossas próprias obras sem necessidade de recorrer a tais subterfúgios. Afinal, temos até representante na Academia Brasileira de Letras.
Mas, perdoem a divagação – não fora a coluna escrita por uma mulher e isso não aconteceria -, e voltemos à homenageada-póstuma da semana, Baroneza De Duvant, que teve a ousadia, em 1831, de proclamar a própria independência. Escrevendo por vocação mas, tendo que manter-se para sobreviver, utilizou artimanhas como vestir-se, denominar-se e portar-se como homem.
Na verdade, Aurore teve a oportunidade, já na pré-adolescência, de, vivendo no campo, encontrar à sua disposição vastíssima biblioteca, que devorou, sofrendo influência de personalidades como Byron, Rousseau (o maravilhoso Jean Jacques, sobre cuja obra ainda terei oportunidade de discorrer) Chateaubriand e outros, que exacerbaram sua vocação para a literatura.
Eclética, George Sand foi teatróloga, crítica literária e jornalista, celebrizando-se, entretanto, como romancista. Publicou Indiana em 1832, seguido de Valentine, Lélia, Jacques, Mauprat. Chegou ao ápice com Histoire de Ma Vie, onde destaca a importância de sua vivência e de seus casos sentimentais com gênios como Musset e Chopin.
Não prego a volubilidade para que a genialidade literária aflore, nem a dissolubilidade do casamento para a realização profissional, mas, especialmente considerando que ela estava sob a influência do Romantismo, “o mal do século”, não posso deixar de admirar a coragem dessa mulher que, numa sociedade preconceituosa, tolhida pelo casamento, pôs em jogo a própria honra para sua realização pessoal (se é que a conseguiu) e profissional (amplamente celebrizada).

*Publicada na Coluna Feminina ou Feminista, do Jornal de Atibaia, ed.semanal de 15 a 21 de março de 1980.


FILOSOFANDO

“Se alguém quiser adquirir Sabedoria, não será através do Trabalho, mas sim do ócio” – PLATÃO


Evidentemente, não se poderá interpretar Platão ipsis litteris. Usando a palavra ócio, parece mais lógico tenha o fecundo autor pretendido referir-se ao conhecimento que advém da arguta observação, quer quando em trabalho mecânico, quer em repouso físico.
Quem sabe estaria o discípulo de Sócrates aludindo à meditação, termo hoje tão em voga, mas que a raros é dado compreender e, menos ainda, pôr em prática. Meditação que, por transcendental, ultrapassaria as barreiras tempo-espaço, permitindo conhecimentos milenares, com um mínimo de tempo cronológico dedicado.
Quem sabe, ainda, a sabedoria dos Grandes Mestres se deva a uma boa dose de divagação. Se o próprio Einstein afirmou que a imaginação é mais importante do que o conhecimento! E, como dar asas à imaginação? Divagando...
Mas, não se preocupem, isto não é uma tentativa reacionária de desmerecer o trabalho. Ao contrário, é uma tese: Conviver com ele. Mesmo, ou principalmente, quando automático e cansativo, como dirigir em horas de rush, ou aguardar em intermináveis tardes chuvosas, que os senhores executados se dignem a abrir suas portas. Enquanto isso, abramos as “nossas portas”, as “portas da percepção”. Observemos, meditemos, divaguemos.
E da tese (trabalho) à antítese (ócio), surgirá a síntese, quiçá o equilíbrio entre a sabedoria (não mais o capital!) e o trabalho, pois afinal, como disse São Paulo “Quem não trabalha não come”.
Não deixemos ao espírito a frustração de não haver participado da evolução de nossa era, que não é só cerebrina no sentido da técnica e da ciência, mas também espiritual, a era da Paz e do Amor.
Mas, se não pudermos ou não soubermos, não importa. Trabalhemos. E, como repouso do espírito, sempre que possível, divaguemos...

*Publ. in “O Meirinho em Roteiro” (Jornal dos Servidores da Justiça do Trabalho da 2ª Região), jul/agosto/1981, pág.8.