segunda-feira, 27 de abril de 2009

Epopéia médico-hospitalar

Fala-se muito da questão da Saúde no Brasil, sempre enfocando seu lado negativo, o que acaba “respingando” nos profissionais da área, cuja grande maioria é, como no geral, em todas as outras categorias, formada por pessoas éticas, competentes e bem intencionadas que acabam servindo como bodes expiatórios das mazelas institucionais.
No afã de criticar, nestes tempos de caça às bruxas, nos esquecemos de computar o quanto de paciência, abnegação e altruísmo é despendido por aqueles que se dedicam à recuperação de pacientes, tantas vezes despreparados para colaborar com a equipe de atendimento, seja por estarem fragilizados fisicamente, seja por ignorância ou mesmo pela expectativa de um mau atendimento, fundada no excesso de informações depreciativas.
Acabo de passar por uma importante experiência de vida relacionada a esse assunto, que por uma questão de justiça me vejo na obrigação de descrever. Dia 23 de abril, lá pelas onze horas da noite, comecei a sentir pontadas no tórax que pareciam irradiar-se para a mandíbula. Como tenho alguns problemas cardíacos, meu marido e meu genro me levaram ao Pronto Socorro do Hospital Oswaldo Cruz, onde faço acompanhamento clínico.
O médico de plantão, Dr. João Henrique Narciso, ligou imediatamente para minha médica, Dra. Lúcia Leal Guerra, que o instruiu sobre meus problemas específicos. Antes da meia-noite eu estava monitorada e devidamente medicada. Os enfermeiros Marcelo e Sandra se revezavam a todo momento com João Henrique, a me examinar e fazer a leitura do monitor, sempre sorridentes e bem-humorados. Às três horas da manhã fui avisada de que, como minha pressão arterial e batimentos cardíacos continuavam instáveis, eu precisaria ser removida para a UTI. A notícia me foi dada com um beijo na cabeça (pelo médico) e um convite inusitado: “quando sarar venha nos visitar”.
A seguir, um “susto”: não havia vaga na UTI do Hospital, mas, mesmo que houvesse, teríamos que depositar quarenta mil reais, pois o Convênio não autorizava internação cardiológica naquela Unidade. Em compensação, a recepção do PS entrou em contato na mesma hora com o serviço de urgência do Convênio, que providenciou rapidamente uma ambulância/resgate para me transportar.
Antes das quatro horas, já estava devidamente instalada e monitorada na UTI do Hospital de Cardiologia TotalCor, onde vivi horas surpreendentes em vários sentidos. Logo ao dar entrada, fui recebida por um enfermeiro que se apresentou: “Meu nome é Santhiago e eu estou aqui para atendê-la. Pode me chamar a qualquer momento e não se preocupe, vai dar tudo certo”.
Feliz ou infelizmente, o box em que fui colocada ficava ao lado de uma sala para “casos difíceis”, onde uma senhora portuguesa, que além de problemas cardíacos sofria do Mal de Altzheimer, gritava a plenos pulmões: “Sucóooooooorro, me tirem daqui. Padre Mãrceeeeelo, me ajuuuude” e outras frases tragi-cômicas (algumas impublicáveis). Enfermeiros e médicos se revezavam tentando acalmá-la, mas não descuidavam de mim.
Em certo momento, quando tentava colocar um cateter em minha mão, Santhiago desabafou: “Incrível que justamente quando um paciente tranqüilo como a senhora está precisando descansar um pouco, alguém tenha que fazer esse barulho”. Nesse momento, dei um pequeno gemido, pois as veias de minha mão (e eu própria) já estamos fragilizadas pela idade. Nova surpresa: Santhiago beijou meus dedos , dizendo: “Eu machuquei a senhora? Perdão. Daria tudo pra não fazê-la sofrer”. Angina abrandada e pressão arterial estabilizada, tentei dormir, mas não consegui.
Pela manhã, tentei negociar com o médico minha alta definitiva. Ouvi: "Você teve angina e está numa UTI. Não posso deixá-la ir diretamente para casa, mas se continuar reagindo bem, à tarde vou liberá-la para o quarto, para ficar um pouco em observação. Em seguida, recebi a visita de um nutricionista: “O que a senhora gostaria de comer”? Por incrível que pareça, durante toda a minha (curta, é verdade) permanência no Hospital, todas as refeições foram servidas exclusivamente com os pratos de minha preferência. Confesso que minhas necessidades “gastronômicas” são absolutamente frugais, em que pese o paradoxo, mesmo assim fiquei surpresa com a atenção.
A seguir, outra surpresa: Nilson, o enfermeiro que substituíra Santhiago na troca de plantão, perguntou: “Gostaria de uma massagem nas costas, pra diminuir o trauma da cama”? Suas mãos foram delicadas e o gel que utilizou exalava um aroma suave e relaxante. Ao sair, disse: “Quer tomar um suco ou uma água? Prefere a luz acesa ou apagada? Agora tente descansar um pouco, que eu soube que essa noite foi difícil”. A propósito, dona Isabel recomeçara a gritar por Padre Marcelo, Padre Alberto e toda a Cúria cujos membros ela parecia conhecer intimamente. Por seu lado, as máquinas que nos monitoravam, se revezaram noite e dia com a senhora portuguesa, em seu intermitente (e cansativo) dim-dom.
À tarde, visita da fisioterapeuta, delicada e sorridente: “Quer tentar uns movimentos pra diminuir as sequelas do leito prolongado?” Aceitei e me senti recuperada. Nati (para os íntimos), a enfermeira que substituiu Nilson, percebendo minha disposição, segredou: “Ouvi o médico dizendo que vai lhe dar alta para o quarto. Quer tomar um banho aqui ou prefere tomar do seu jeito, no quarto”? Como preferisse do meu jeito, sugeriu: “Então, quer dar uma voltinha? (vislumbrei uma cadeira de rodas atrás da cortina) e lá fomos nós. No caminho, um encontro casual com o médico: “Olá, vou lhe dar alta da UTI, está bem”?
Nati não me largou mais, salvo para atender algum grito mais assustador de dona Isabel (a que todos acorriam), até me “entregar” à equipe de enfermagem do quarto. Ao chegarmos, me apresentou: “Esta é a Dona Suzete. Ela é muito tranqüila”. Um dos enfermeiros levantou, todo sorridente: “Que bom, seja bem-vinda. Qualquer coisa é só chamar”. E me senti bem-vinda mesmo, porque o atendimento continuou carinhoso e competente. Antes de se retirar, Nati segurou minhas mãos e desejou boa sorte. Deu dois passos, voltou e me abraçou.
Mais tarde, minha filha, “companheirona”, chegou para “dormir” comigo. No dia seguinte, recebi alta, não sem que o médico, Dr. Daniel Janczuk, se desculpasse pela demora: “Se eu soubesse que você estava louca para ir embora, teria passado primeiro aqui. Desculpe pela demora. Vou fazer o relatório rapidinho”. Como nem tudo é perfeito, tive que ficar para o almoço, pois o “sistema” ficou fora do ar algum tempo. Dr. Daniel, que ainda estava no andar, brincou com meu marido: “Eu fiz a minha parte”. Todos fizeram o melhor possível.
Antes de voltar para casa, passei pela cabeleireira, que ninguém é de ferro. Em seguida, fui consolar minha mãe e, depois, meus netos, que estavam ansiosos. Foram quarenta e oito horas de vivência intensa, em que não faltaram situações dolorosas, nem cômicas e, muito menos, carinho e atenção.
Claro que me deparei com um ou dois médicos ou atendentes mais arrogantes, mas esqueci seus nomes. Talvez não tenham escolhido a profissão correta, pois não dignificam a categoria. As acomodações também não foram especialmente confortáveis ou luxuosas, mas parabenizo a Amil Saúde – Administradora do Hospital, pelo investimento no humano e agradeço a Deus pelo privilégio de estar em condições de agradecer. Quanto à minha família, sou suspeita demais para falar e espero que me perdoem o susto. Vou tentar me cuidar melhor.

São Paulo, 27 de abril de 2009

4 comentários:

CARLA FABIANE... disse...

Boa noite!!

Quando tua alma
Parecer pequena,
Mesmo quando achar
Que amar não mais vale a pena,
Abra teu coração!
E quando a noite chegar
E a solidão te alcançar,
Ainda assim, eu peço,
Abra teu coração!
Vou te contar um segredo:
Um coração
Só abre por dentro
E só o dono tem a chave!
E se ele se fecha ou se abre
Depende unicamente de ti.
Abra!
Tire as mágoas,
Jogue fora as tristezas,
Deixe somente doces lembranças
E faça um lugarzinho
Pra acolher as belezas
Que a vida te reserva.
Tenho certeza
Que a ternura vai fluir.
Teu coração renovado
Será fonte de alegria,
E será maravilhoso te ver sorrir.

Letícia Thompson

Deus abençoe sua semana!
Beijos

Suzete Carvalho disse...

Olá, Carla. Obrigada pela mensagem. Na próxima visita, poste aquela que está no seu blog, se não me engano com o título Cuidado. Já deixei um comentário a respeito. Deus abençõe sua semana também. Abração.

Silvia disse...

Oi, Su. Como vc é uma pessoa especial só poderia atrair pessoas especiais para tratar de vc. Como sempre, à sua volta, todos procuram lhe trazer carinho, pois é esse sentimento que vc espalha ao seu redor.
Fico feliz que vc esteja bem de novo e nos brindando com suas palavras sempre profundas.
Bjs. Silvia

Suzete Carvalho disse...

Obrigada, Sívia, você também é especial, mas prefiro acreditar que boa parte do carinho que recebi nos hospitais, se deve a uma postura mais compassiva dos profissionais da Saúde.
Gostaria que esse investimento no HUMANO se estendesse ao atendimento pelo SUS, sem desmerecer o esforço de alguns verdadeiros "missionários da Saúde" que lutam bravamente contra as históricas mazelas institucionais.
Gostaria, mais, de fazer deste espaço um fórum de discussões sobre essas e outras questões sociais importantes, mas para isso seria necessário que os visitantes do blog deixassem sugestões, críticas e comentários contundentes sobre suas próprias experiências.
A Filosofia e a Literatura, me parece, só fazem realmente sentido quando usadas em prol da dignidade humana.
O diálogo é seu grande instrumento.
Obrigada pelo seu carinho e parabéns também pelo seu trabalho.