segunda-feira, 29 de junho de 2009

ENTREGA

Semana passada, assistindo pela internet um trecho de um dos desfiles da Fashion Week em companhia de minha neta de 6 anos – que tem pequenas experiências em propaganda e desfiles de moda mirim –, fiquei encantada com sua “madura” observação sobre a postura da super-modelo Gisele Bundschen: “Vó, você viu como ela é diferente das outras? Parece que vai voar, né?” Em seguida, vendo a modelo fazer meia-volta ao final da passarela, concluiu: “Ah, ela desfila voando e dançando!”.
Nos últimos dias, assistindo aos documentários sobre a morte de Michael Jackson - cuja tônica era a busca da perfeição estética -, lembrei dos comentários de minha neta. Ele não era simplesmente um cantor, também dançava e “voava”, entregando-se de corpo e alma ao ideal que abraçara. Infelizmente faltou-lhe equilíbrio e ele “dançou”.
Qual o elo que faria com que dois ícones tão diferentes entre si se sobressaíssem do restante de nós que acreditamos fazer o melhor possível para concretizar nossos ideais? Porque esses dons que nos foram magnanimamente distribuídos, a todos e a cada um de nós, nas mais diversas áreas da atividade humana, ficam em geral aprisionados na mediocridade do cotidiano?
Porque nosso pensar é tão pequeno e nossos medos e inseguranças tão grandes? Porque nos envolvemos em culpas e mágoas e nos deixamos afetar com tanta intensidade pelos pequenos fracassos e dilemas do dia-a-dia, a ponto de comprometer nossos relacionamentos, nossos sonhos e tantas carreiras promissoras? O que mais nos falta a nós, pobres mortais, tão racionais e, portanto, desprovidos de “asas”?
Minha conselheira Dona Nena, a quem sempre recorro nesses momentos de reflexão, não se faz de rogada e logo vem em meu socorro: - “Falta-lhes entrega, minha filha”. Mas, alerta com sabedoria, “nunca se esqueça que a paixão ou entrega total – seja a um ideal terreno ou divino - requer também um desapego total, o que não implica, veja bem, nenhum desrespeito ao outro ou às leis que regem a convivência social”.
Percebendo certa ambigüidade em seus conselhos, rebato: - “Mas como pode alguém se desapegar de sua família, por exemplo, sem desrespeitá-la?”. – “Entregar-se é ser o que se é, dedicar-se integralmente, dar-se, doar-se, render-se a algo, independente das expectativas de quem quer que seja, inclusive nossos familiares. Preenchê-las faz parte de nossos condicionamentos culturais, que nos fazem confundir respeito com submissão”.
Ainda insegura, começo a compreender o quanto a questão é complexa, como o é a própria vida, repleta de ambiguidades e paradoxos. – “E onde fica o amor nisso tudo?”, ouso ainda perguntar. – “O verdadeiro amor é um estado de espírito que não se deteriora na convivência com a paixão, podendo até estimulá-la, em sua grandeza”.
Se bem compreendi os profundos ensinamentos, entregar-se totalmente requer a coragem dos heróis (ou a “loucura” dos amantes) e não é por outra razão que projetamos naqueles que levaram os seus (nossos) sonhos às últimas conseqüências, toda a nossa paixão (e a nossa inveja). Alçar-se em livre vôo vida afora é transcender (fazer “dançar”) condicionamentos arraigados que nos amedrontam e nos limitam a pensar pequeno e cultivar heróis. Talvez, por tudo isso, se diga que cada um – ser humano, sociedade ou civilização – tem o(s) herói(s) que merece.

2 comentários:

silvia favero disse...

Olá Suzete. Essas crianças especiais que estão no momento entre nós têm comentários que nos fazem pensar muito!

Suzete Carvalho disse...

Olá, Sílvia. Vejo a questão sob vários prismas (embora todos estejam interligados) e vou tentar "levantar" alguns, mas espero que você e, eventualmente, outros leitores me ajudem a aprimorar a ideia.
1º - Hoje damos uma atenção muito maior ao que as crianças têm a dizer, do que nossos antepassados.
2º - Hoje nossas crianças recebem uma carga muito maior de informações (televisão, internet, jogos e filmes em DVD, pré-escola desde a mais tenra idade, etc...).
3º - Hoje as crianças se sentem mais livres para emitir opinião sobre todos os assuntos, inclusive aqueles que eram tabus na nossa época.
4º - Hoje há muito maior conscientização, inclusive por parte das crianças, de que todos temos "direitos", embora nem sempre nos lembremos, principalmente as crianças, do outro lado da moeda, os "deveres".
Dentre esses direitos se destaca o da liberdade de expressão.
5º - Hoje as crianças já nascem literalmente de "olhos abertos" para o mundo, até pela própria evolução da espécie.
6º - Hoje uma boa parte dos adultos está mais aberta ao "pensar" e ao "aprender", pois percebemos que já não somos mais os "donos da verdade", especialmente após o advento da internet.
Enfim, sob o prisma místico, talvez você possa nos ajudar a entender a presença de tantas crianças especiais entre nós,pois não tenho conhecimento suficiente.
Abração e beije as "suas" crianças especiais por mim.