quinta-feira, 20 de agosto de 2009

Indignação

Manhã dolorosa: na Web a foto de uma burka negra encobria totalmente um ser humano no cumprimento de sua “liberdade civil”, o voto, exibindo apenas o dedo indicador maquiavelicamente tingido de vermelho, a revelar, provavelmente, a condição de analfabeta da eleitora ou, no mínimo, para dar validade à “transparência democrática” das eleições locais.
Ontem, entre indignada e perplexa ante a crueldade dos homens, eu lera a notícia, também na Web, de que o (mesmo) Afeganistão acaba de aprovar uma lei que permite aos maridos deixarem suas esposas “passar fome” se, e enquanto, elas lhes negarem o tankeen, (leia-se sexo). O Talebã se foi do governo (embora em permanente tocaia para o rebote), mas, usando a expressão do excelente articulista Robson Fernando (vide link), o “gene dominante” do androcentrismo (que ali se revela num paroxismo de misoginia) se perpetua.
Lá, como cá, o “gene recessivo” (da mulher) também se perpetua, em que pese sua suposta e decantada “liberdade de opções”, pois, ainda que não estejamos mais obrigatoriamente confinadas ao “recesso do lar”, continuamos indelevelmente condicionadas às tradições culturais patriarcais.
O arquétipo da submissão está instalado no inconsciente das mulheres e é persistentemente (re)alimentado, seja pela educação que recebemos desde o berço ou pelas humilhantes pilhérias dos “gozadores” de plantão; seja pela linguagem opressora que faz do feminino um segundo sexo ou por notícias de nosso entorno (ou mesmo vivência própria) sobre a violência doméstica – considerada pandêmica, inclusive no Ocidente, por organismos da ONU - . Seja, enfim – para encerrar a crônica, mas não o tema -, pelo profundo sentimento de impotência ante a violência legalizada contra as mulheres, em países como a Síria, o Iraque e o malfadado Afeganistão, pra não falar nas mutilações sexuais tradicionais e nos estupros em massa em alguns países da África.
Cabe-nos tomar a arma mais potente de que dispomos – nossa voz - e lutar para romper esse arquétipo e o silêncio que o encobre, clamando persistentemente em uníssono, alto e bom som, até fazer ruir as muralhas que nos emparedam. E que não se preocupem as religiosas e os religiosos simpatizantes da causa feminina, o ensinamento é bíblico (Js.6.20). Quem quiser seguir os Evangelhos à risca, não precisa gritar, utilize uma trombeta.


4 comentários:

silvia favero disse...

Oi, Su. Estive afastada por uma série de problemas pessoais, mas acho que estou de volta.
Como sempre, muito profundo o seu ensaio. Acho que nem precisa ir tão longe. Mesmo nos países ocidentais ainda há muita submissão feminina, mesmo que seja somente interna. Bjs.
Silvia.

Suzete Carvalho disse...

Olá, Sílvia.
Que bom receber você por aqui outra vez. Fiquei preocupada: você esteve afastada por problemas pessoais e "acha" que está de volta? Sei que os anjos - assunto em que você é especialista - a ajudarão, mas, se precisar, você "sabe" que pode contar comigo.
Quanto à submissão feminina, queiramos ou não, ainda é uma realidade mundial, ainda que seja só "interna" como diz você. É como se fosse um gene, mesmo, mas é bom lembrar que, se a Genética pode fazer - e está fazendo -, uma "revolução" biológica, nós também podemos modificar esses genes (masculino e feminino)no campo social, utilizando-os para a cura dessas doenças terríveis que são a violência e a submissão.
"Coincidentemente", acabo de oúvir no noticiário - a propósito do câncer da próstata - uma frase "lapidar": "Antes de combater as doenças, é preciso combater os mitos". Tá aí, o próprio governo nos dá o caminho: Vamos combater o mito da supremacia masculina, começando por encarar nossa própria submissão interior e mudando nossas atitudes em face da discriminação social.
Abração. Me manda um e.mail, para trocarmos notícias e ideias.
Namastê.

Unknown disse...

Su,

não esperava tanto. Há tanto tempo escrito e já merecendo re-escritura. Mas fico feliz por ter tocado-lhe o coração e a mente.

De todo jeito, sua crõnica é bálsamo na alma e na vida. Nesta tarde de domingo em solidão.

Beijos. Nos vemos em breve. Nesta semana vou na casa de sua irmã "roubar" um quadro. Vou pedir para Su te avisar quando eu for e nos encontramos por lá.

Regina Brito

Suzete Carvalho disse...

Olá, Regina, seja bem-vinda.
Para que @s leitor@s entendam seu comentário, devo lembrar que ele se refere à crônica "Nas tramas da Rede" (uma referência ao título de seu livro), que postei em 30/12/2009.
Por uma infeliz "coincidência", no dia seguinte tivemos os calamitosos acidentes em várias cidades do Rio e São Paulo, principalmente Angra dos Reis e São Luiz do Paraitinga, em que as encostas das montanhas delizaram soterrando inúmeras pessoas.
Vejo na leitura de seu livro e nas denúncias ali contidas, exatamente na véspera desses acidentes "naturais", uma relação de sincronicidade quase premonitória.
Não sei se me faço clara, mas o que quero dizer é que, se você pensa numa re-escritura, talvez esses trágicos acontecimentos possam ser considerados como um pedido de socorro, um reforço ao seu alerta sobre São Sebastião.
Volte sempre.
Abração.