terça-feira, 25 de agosto de 2009

Nó górdio IV

De volta ao Guarujá, onde eu e meu lap-top nos refugiamos sempre que algum trabalho específico está a exigir “nosso esforço concentrado”, percebo com a clareza que o distanciamento da rotina cotidiana permite, nossa impotência diante das questões inerentes à condição humana, muito especialmente a condição feminina.

O fato é que, onde quer que estejamos, levamos conosco todos os nossos condicionamentos, sejam físicos, psíquicos ou mentais e, ainda que mais perceptivos – graças ao estado de alerta próprio de quem se afasta da segurança do lar – permanecemos fiéis àquilo que já somos, ou melhor, que sempre fomos. Assim, ou uma nova ordem rotineira se instala ou, como é o caso, pegamos carona na rotina estabelecida em estadas anteriores.

A tendência à repetição é intrínseca ao ser humano, seja nas pequenas atitudes do dia-a-dia, seja na forma de pensar e ver a vida, o que nos faz reviver experiências, numa eterna confirmação de nossas próprias ideias ou, se preferirem, ideologias. Nos enredamos sempre nos mesmos passos, à falta de um diálogo com o outro, o diferente, aquele que “talvez” pudesse nos ajudar a nos des-envolver, des-enroscar de mais este verdadeiro nó górdio: a rotina embaraçante, a condenação à repetição, ao monólogo.

Assim, embora filosoficamente possamos encampar a assertiva sartriana de que “estamos condenados a ser livres”, a realidade que vivenciamos abala a crença nessa “utopia” (do) existencialista. Não obstante, outro pensador, o educador Paulo Freire, nos indica a possibilidade de uma “utopia revolucionária”, consubstanciada na esperança que, a meu ver, somente pode ser entendida como uma “esperança ativa”, um modo de agir que propicie uma ruptura nos muros da rotina pela qual nos deixamos emparedar.

Nesta altura de minhas elucubrações, recebo um “banho de água fria” de minha conselheira Dª Nena: - “Afinal, sua proposta ao começar este artigo, não era escrever uma simples crônica, para contar suas experiências nesta nova estada no Guarujá? Será que não percebe nesse “desvio filosófico” também uma forma de se enredar em seus próprios monólogos? Será que é isso que esperam suas leitoras e leitores? Convenhamos!”.

Intimidada pela lógica (ainda que me parecesse absurda no primeiro momento) do questionamento da sábia senhora, recolho-me à minha insignificância, desligando (por ora) o computador, para retomar alguns passos rotineiros (tão) necessários à manutenção da vida: banho, almoço, arrumação de roupas/casa/papéis, separação do lixo decartável (para reciclagem), compras (ainda que apenas as essenciais) e caminhada (se o tempo permitir).
À noite ou amanhã, dependendo do desenvolvimento do trabalho específico (de cunho filosófico, claro), que me trouxe a estas paragens, tentarei retomar – com os pés no chão - a proposta inicial, de contar objetivamente algumas das experiências aqui vivenciadas nos últimos dois dias e que foram responsáveis pelo desencadeamento desses arroubos filosóficos.

Por ora, deixo à reflexão de quem se dispuser a ler e comentar este texto, a aparente ambiguidade da questão proposta. Afinal, estamos condenados a nos repetir ad eternum, ou a rotina (de pensamentos, palavras, ações e meras atitudes semi-automáticas do cotidiano) seria mais um nó górdio a ser desatado?

Namastê.

5 comentários:

Anônimo disse...

tenho muitas lembranças das férias no guarujá no apartamento de um tio , a cidade tem um charme particular , mazaropi já filmou na cidade em tempos de antanho

um abraço

diniz gonçalves júnior

Suzete Carvalho disse...

Olá, Diniz
Realmente, apesar da insegurança e outros "senões", a cidade ainda tem seu charme. Noite dessas acordei com uma pequena poesia na cabeça, sobre a proximidade da primavera por lá. Anotei e depois esqueci. Deve estar perdida no meio dos milhões de papéis que eu consulto a toda hora, pois estou em cima do prazo para entregar a pesquisa. Vou tentar achá-la e publicar.
Obrigada pela visita. Mais tarde vou passar no desmemórias.
Abração.

Anônimo disse...

Parte 1
Oi Suzete

"Mulher x Sociedade": assunto que dá um certo desânimo.
Pensei é o quanto você pode provocar misturando pensamentos; sua capacidade de agitar, além do provável.
Você deve se lembrar da Eco 92, certo? Além da parte espiritualista passaram por lá grandes feministas.Tenho a foto de uma norte-americana, que na época já era uma senhora, com um chapéu tipo "vovozinha", agora me fugiu o nome dela, mas tem destaque imenso no movimento norte-americano.
Naquela tarde pensei: "Puxa, se ela já tem mais de 50 anos de luta eu vou viver numa sociedade que respeita mais a mulher, ufa".
Que nada! Pouquíssimas conquistas foram realizadas.
Nem os 20% de mulheres nos partidos políticos conseguimos.
Sempre votei com este critério:
1º lugar) votar nas mulheres que estavam concorrendo

Quando morava no Rio, no final da faculdade, já se mostrava na cidade o movimento da cultura das favelas, o funk. Numa aula de comunicação comparada dei como opção de pesquisa a exposição "meramente sexual" da mulher objeto no funk. O grupo era de 5 pessoas, sendo 3 rapazes. Quase de "crucificaram"...deram risadas...a "bunda" do funk para eles era a “liberdade da mulher”.
Vc imagina?

Anônimo disse...

Parte 2
E para completar, o mesmo grupo assistia aulas sobre antropologia e o que condiciona o pensamento humano. Um dos nossos livros da época foi o “Tabu do Corpo”, do antropólogo José Carlos Rodrigues, que não faz nenhuma leitura crítica, mas expõe várias situações culturais. Um trecho, da página 70, que agora vou te transcrever , mostra um pouco das situações culturais, que deveriam provocar a reflexão, tirar os pensamentos da zona confortável do provável:

“...Toda cultura se preocupa com as manifestações da sexualidade, coibindo-as ou estimulando-as. Algumas sociedades impõem a mais restrita monogamia para ambos os sexos, ou para um deles apenas, enquanto outras admitem que um homem se una sexualmente a várias mulheres, ou vários homens a uma só mulher. O homossexualismo foi aceito em várias sociedades, como no mundo greco-romano e em certas áreas do Islã, e terminantemente banido em várias outras. Em diversos períodos da história cristão e entre certos grupos do Tibete, o celibato foi admirado e desejado. Definir os papéis sexuais do homem e da mulher e a forma de relacionamento de ambos é um problema muito menos biológico do que tem comumente pensado.
Além disso, o fato de um indivíduo ser do sexo masculino ou do sexo feminino não significa apenas que ele possui uma determinada conformação anatômica e fisiológica. Significa também que ele possui status social cujos limites, direitos e obrigações estão devidamente convencionados e em relação aos quais a comunidade mostra determinadas expectativas. Cozinhar ou dirigir empresas, caçar ou costurar, cuidar das crianças ou ler jornal, são ilustrações destas expectativas, que a cada sociedade define à sua maneira.
Em toda sociedade as crianças e os adolescentes se ajustam ou são enquadrados nessas definições de papéis e as vêem como as mais naturais e as mais desejáveis. A própria bipartição dos sexos, a que estamos acostumados, não é considerada universalmente, existindo sociedades que definem uma terceira posição – a tradição etnológica resolveu chamar de berdache – quando um homem assume o status e o papel de mulher, ventindo-se, pensando e se comportando como tal, e simulando ciclos menstruais e gravidez. Tais práticas podem ser constatadas em diversas sociedades – Crow, Dakota, Zuñi, Dayak, Chukchee – e os berdaches podem muitas vezes ser investidos de funções religiosas.
....
O papel sexual define também um ideal de comportamente que cada indivíduo tentará realizar. Margareth Mead observa que o homem Mundugumor tratará sua única mulher como se ela fosse uma no meio de diversas, porque o ideal para o homem realizado, nessa sociedade, é possuir várias mulheres, enquanto um homem Arappesh, com duas mulheres, tratará cada uma deles como se fosse a única.
...Todavia, qualquer que seja a forma pela qual as diferentes sociedades se apropriem da constituição genética da espécie humana, cada sociedade ditará normas para o relacionamento de homem e mulher e associará a cada um complexo de valores e de símbolos: divisão do trabalho, divisão do poder, divisão de riqueza, dignidade etc”.
Bjos
Maristela Ajalla

Suzete Carvalho disse...

Olá, Maristela
Realmente a questão da mulher é muito complexa, especialmente quando se enfoca a rotina, tema deste artigo ou a sexualidade, um dos temas que em princípio eu devo abordar (ainda que "en passant") no ensaio sobre a mulher que estou ultimando. Adorei sua frase a respeito de as mulheres poderem provocar misturando pensamentos e, especialmente sobre a capacidade feminina de agitar ideias além do provável. Se você estiver de acordo, gostaria de citar em meu trabalho a expressão "capacidade de agitar ideias além do provável".
Também participei da Eco 92 e, como você, estou decepcionada com a pouca repercussão das propostas após 17 anos. Ainda assim acredito na capacidade de resiliência, seja das mulheres, seja de tantos homens sensíveis que abraçaram a causa eco-feminista, seja da própria Natureza. Temos até uma monja teóloga ecofeminista (Ivone Gebara)! E, afinal, Gaia - a Terra -é uma deusa, certo?
Obrigada pelos trechos do livro, que vou analisar com carinho.
Seja sempre bem-vinda.
Namastê.