sábado, 17 de janeiro de 2009

Consciência Linear e Relações Humanas

Palavras são meros símbolos convencionais (signos) - como já no Século 4 ensinava Santo Agostinho -, simples forma (significante) de apontar para algo cuja noção (significado) pretendemos transmitir. São, portanto, paradoxais, ambíguas, polivalentes, como o é o ser humano, como é a própria vida.

Sem outro meio de expressão que a linguagem articulada, busco traduzir na escrita um desabafo da consciência, de forma dialógica, convidando-os a uma reflexão mais aprofundada sobre um tema que escapa ao senso comum - , mas que, não obstante, vem sendo repetido à exaustão, desde a mais Alta Antiguidade, por pensadores de todos os quadrantes, no geral sem encontrar eco nesta segura e cômoda caverna platônica em que nos deixamos estar.

A primazia do racionalismo cartesiano - como se a Verdade fosse passível de ser apreendida pelo mero raciocínio -, privilegiou uma lógica reducionista que, se por um lado teve o mérito de incrementar as ciências, por outro tornou-se o maior responsável pela fragmentação do ser e do saber, o que culminou por deflagrar a crise planetária que hoje enfrentamos.

Princípio básico milenarmente intuído, que ora retorna na teoria da complexidade, é o inter-relacionamento de todas as coisas entre si e com o todo, e deste com cada uma delas, ou seja, o respeito à multidimensionalidade do conhecimento e da própria consciência. Essa nova matriz da realidade, de alguma forma oferece sustentação para uma ruptura com as concepções racionalistas e seus princípios da dualidade e fragmentação.

Pois bem, se inumeráveis mestres de todos os tempos, todos os quadrantes e todas as áreas - de Sancaracarya a Krishnamurti, de Lao-Tsé a Jung, de Nagarjuna a William James, de Platão a Heidegger, de Heráclito a Einstein, de Shakespeare a Tagore, Gandhi, Aurobindo, Chardin ou Sartre, Camus, Dostoiévski, Maturana e Morin -, repetem, de forma um tanto mântrica, idéias que escapam, no mínimo, da dualidade, por que nos condicionamos à fórmula “Penso, logo existo” como possibilidade única de conhecimento?

Será que o mero raciocínio resiste à questão primordial do “Quem sou”?

Biologicamente, Vaz e Varela nos diriam que o organismo, para detectar alguma coisa que lhe é estranha, tem que conhecer a si próprio. Filosoficamente, Sócrates partiria do “Conhece-te a ti mesmo”. Psicologicamente, Jung diria que é preciso integrar todas as instâncias da psique ao self, ponto central e ao mesmo tempo totalidade do consciente e do inconsciente.

Enfim, todos os caminhos apontam para uma reforma do pensamento, uma mudança de padrões mentais, uma postura de inclusões neste mundo de exclusões. E um primeiro passo nessa nova senda é o autoconhecimento, um diálogo interior racional-intuitivo que não busca soluções, mas consciência do grande paradoxo universal do uno e do múltiplo.

Essa co-participação da experiência na consciência, do múltiplo no uno e deste na unidade, se dá como possibilidade - entre outras - na meditação a que se entregam não só yogues e santos famosos, mas incontáveis heróis anônimos que não dispensam um reencontro com o ethos (nossa morada interior), perdido na fragmentação do conhecimento e do próprio ser.

* Resumo de Ensaio publ. in Thot nº 68, 1998, pág. 22/26.

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