segunda-feira, 12 de janeiro de 2009

A Culpa nossa de cada dia


A culpa é um fenômeno característico das tradições monoteístas, incorporado pela civilização ocidental a tal ponto, que nem mesmo a profunda revolução cultural do último século conseguiu superar.

Ao contrário do que seria de se esperar, a liberdade de costumes veio acarretar, a par dos novos valores sociais, uma nova carga de culpa, antes inimaginável.

Assoberbada pelo ônus cultural que lhe impôs responsabilidades exclusivas na criação e educação dos filhos e nos cuidados com o lar, hoje a mulher enfrenta o grande dilema de conciliar a carreira com o papel de mãe e esposa e se sente culpada, seja qual for sua opção.

Em contrapartida, o homem se sente angustiado diante da necessidade de se adaptar às novas necessidades cotidianas, para as quais não foi preparado emocionalmente. Culpa-se por não ser mais o grande provedor; culpa a esposa por dedicar-se a uma carreira, em detrimento de suas “obrigações” com o lar; culpa-se por culpá-la.

Por outro lado, a progressiva conscientização política e ecológica, de alguma forma, entra em choque com a tendência para a competitividade e o consumismo, acrescentando ao “mal-estar” inerente à cultura, detectado por Freud, uma nova dose de culpa.

Uma das formas mais efetivas de aliviar a consciência culposa, que homens e mulheres vêm encontrando - a par da responsabilidade familiar dividida -, é a prestação de trabalho voluntário das mais variadas espécies.

Infelizmente, ao se doarem pelo bem-estar do próximo, correm o risco de ver suas intenções deturpadas por aqueles a quem sobra tempo – por nada fazerem – de projetar suas próprias culpas naqueles que têm coragem de se expor, na busca por uma sociedade mais justa.

Redirecionar as energias perdidas nessas projeções inúteis, num trabalho efetivo pelo aprimoramento das relações sociais, é uma oportunidade de tornar mais leves nossas dores e aquelas que causamos aos outros pelas limitações que a consciência dolorosa quer nos impor.

Parafraseando mestre Darcy Ribeiro, eu diria que na vida, só temos duas alternativas: fazer (ele dizia “indignar-se”) ou acomodar-nos (significando indiferença, vitimização ou crítica destrutiva). Entre as duas posturas, também me parece que a primeira é a mais nobre, pois “fazer” exige coragem.

Como doar sangue, doar-se a si mesmo, num trabalho em prol da comunidade – seja ela carente ou clubística –, sem expectativas de reconhecimento ou retribuição, gratifica o físico e a alma, tornando-nos mais dignos de fazer parte da coletividade humana.

* Publ. in “Revista do Ypiranga” nº 120, março/abr/2003, pág.7.

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