terça-feira, 20 de janeiro de 2009

A Educação e os modelos de pensamento

O raciocínio lógico-dedutivo, que até hoje utilizamos como modelo fundamental para a formação de nossas crianças (na família, nas escolas, na Igreja), remonta à cultura grega, realimentado de tempos em tempos, por pensadores racionalistas (ou neo-platônicos).

Assim, noções como a da sobrevivência do mais apto (Darwin), do átomo como uma estrutura rígida e indivisível (Newton), e de que a mente é separada do corpo (Descartes), fortaleceram os princípios da causalidade (a cada ação corresponde uma determinada reação) e da separatividade (eu sou eu, você é você), reforçando a noção de culpa (cada um tem o que merece) e, conseqüentemente, a exclusão.

Todos esses ensinamentos nos foram transmitidos de forma a exacerbar um individualismo competitivo (o que importa é vencer), excludente (os perdedores são incompetentes e não merecem consideração) e materialista (cada um vale pelo que tem, e não pelo que é).

Esse padrão mental linear e reducionista a que fomos condicionados nos apresenta, pois, um mundo sem saídas, que tem como característica básica a bipolarização do ser e do saber, já que alimenta arcaicas e perversas dualidades como certo/errado, bem/mal, apego/rejeição, rico/pobre, forte/fraco, sujeito/objeto, etc.

Nesse contexto, nosso mecanismo de fuga é nos entregarmos a uma alienação comodista, que aceita soluções prontas e imediatistas, que nos são dadas como verdade absoluta, na forma de estereótipos e de ditados populares. A falta de saídas criativas, que é fruto de um automatismo que privilegia o argumento da autoridade, transforma em senso comum noções sem fundamento na realidade, que perpetuam preconceitos e favorecem uma ideologia de dominação, que se resume em exclusão social e violência.

A supervalorização do desenvolvimento técnico-científico e a submissão a uma Economia de Mercado globalizada foram a contribuição final do pensamento linear para a crise generalizada que ora atravessamos e que se traduz, em suma, no desrespeito progressivo aos direitos humanos, numa inversão, ou mesmo perda total dos mais básicos valores universais.

A par de atingir a sociedade como um todo, essa situação se reflete profundamente na área da Educação, atingindo alunos e professores que se defrontam com questões como a miséria, o desemprego e a desagregação familiar crescentes, a par da desenfreada proliferação de drogas e violência no interior das próprias escolas, não bastassem os problemas específicos que a missão educacional envolve.

Reconhecendo que os parâmetros do pensamento centrado exclusivamente na razão humana são insuficientes para solucionar os problemas dele mesmo decorrentes, hoje se propõe a mudança para um paradigma ecocentrado. Melhor dizendo, propugna-se por um deslocamento do antropocentrismo – pensamento centrado no homem, que utiliza a natureza segundo seus interesses, como um bem a ser dominado -, para a noção ecológica, que leva em conta a necessária participação relacional entre natureza, seus seres e seus saberes, na harmonia do todo sistêmico em que estamos inseridos.

A essa maneira de pensar deu-se o nome de pensamento sistêmico, pois dá elasticidade ao racional, admitindo a intuição, a meditação, o sonho e o insight como fontes complementares do conhecimento, que é necessariamente multicultural e transdisciplinar. A utopia passar a ser vista como “esperança revolucionária”, para usar a expressão do educador Paulo Freire.

Quanto à formação educacional institucionalizada, passa a permitir a elaboração de currículos mais integrados à realidade do aluno, nos quais as várias disciplinas são vistas como interdependentes entre si e com a totalidade do conhecimento a ser transmitido, mas voltadas às necessidades concretas da vida.

A idéia central do pensamento sistêmico foi enunciada por Pascal como a impossibilidade de se conhecer as partes sem conhecer o todo, assim como é “impossível conhecer o todo sem conhecer particularmente as partes”. O cerne dessa idéia, desenvolvida entre outros pelo filósofo francês Edgar Morin, é distinguir, sem separar.

O reconhecimento da interdependência de todas as coisas, embora se apresente com nova roupagem, sob o título de Teoria da Complexidade, foi encampado dos antigos ensinamentos que apresentavam o mundo como uma imensa e dinâmica teia ou rede de relacionamentos que a tudo interconecta. A Biologia, a Física Quântica (sub-atômica), a Informática e a Filosofia pós-moderna tiveram extraordinário avanço com a adoção dos “novos” princípios que informam o pensamento complexo.

Edgar Morin resgatou o antigo sentido do verbo latino complexere (abraçar), entendendo o pensamento complexo (com + plexus (enlaçamento) = “o que está tecido junto”) como a conjugação entre o pensamento linear (tão útil às questões mecânicas) e o pensamento sistêmico (mais apropriado aos problemas bio-psico-sociais).

Complexidade, assim, passa a ser entendida filosoficamente como uma visão mais abrangente da vida, do homem e do mundo, com suas semelhanças, diferenças e contradições, que se interpenetram e interagem entre si, de maneira invisível, mas profunda.

Entender o pensamento complexo, portanto, é compreender que, entre o sim e o não, existe uma gama de possibilidades que se revelam como um talvez (princípio da incerteza) e que as coisas não são isto ou aquilo, mas isto e aquilo (princípio da inseparabilidade e, portanto, da inclusão).

Se o “pensamento complexo é aquele que pratica o abraço”, como diz Morin, conceitos como alteridade e altruísmo (de alter, “outro”), cooperação, diversidade e co-participação devem ser abraçados como imprescindíveis não somente à harmonia, como também à própria sobrevivência de todas as espécies, inclusive a do homo-sapiens.

Nesse contexto, cabe aos educadores reavaliar o importante papel que desempenham na construção social, levando em conta os novos paradigmas que se impõem à formação responsável das gerações mais jovens. Coragem (agir com o coração), criatividade, consciência ética e disposição para o aprendizado e o trabalho, são alguns dos fatores indispensáveis para que concretizem a nobre missão pela qual optaram.


Resumo de paletra ministrada para professores da rede pública de SP, em outubro de 98.



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