segunda-feira, 23 de março de 2009

Por que Gandhi hoje?


Mohandas Karanchand Gandhi nasceu numa pequena cidade indiana em 1869, tendo se tornado mundialmente famoso pelo constante e paciente trabalho em prol da liberdade de seu povo, apoiado exclusivamente numa firme e indeclinável ação pacífica.
Embora sua morte haja decorrido há já 50 anos, a praticidade sua proposta é extremamente atual, até porque hoje vivemos num neocolonialismo a que se deu o nome de globalização que, nas palavras de Frei Beto “apenas substituiu as naus pelo capital econômico especulativo”.
O pai de Mohandas era devoto de Vishnu e sua mãe era jainista praticante – uma seita hindu que tem como lema “não causar dano a nenhum ser vivente” - e, como todos sabemos, a formação cultural e religiosa tem muito a ver com o que as pessoas se tornam.
Muitos falam do politeísmo das religiões da Índia. Estou de acordo, porém, com alguns autores - como Marcos Gomes -, que entendem que, ao contrário, o hinduismo é “essencialmente monoteísta”, pois acredita num Deus Absoluto, que é chamado Brahman.
Assim como o dogma cristão da Santíssima Trindade, nos faz crer no Pai, no Filho e no Espírito Santo, a Trimurti hindu é formada por Brahma (o Criador), Vishnu (o Conservador) e Shiva (o Transformador), a tríplice Manifestação de Brahman. Ser devoto de Vishnu, portanto, significa venerar a expressão divina mantenedora do universo.
Alguns pensadores vêm nessa trindade, abstrações filosóficas relacionadas com o passado, o presente e o futuro, ou com a tese, a antítese e a síntese, e outras tríades tradicionais.
Apenas para fins didáticos, mas sem pretender estabelecer qualquer tipo de comparação, poderíamos dizer que, assim como os cristãos veneram a Virgem, os santos, anjos, etc., o panteão hindu se compõe de entidades que são chamadas “deuses”, com “d” minúsculo.
Objetos de veneração por seus seguidores, essas entidades geralmente são consideradas avatares ou “estágios de um mesmo ente”, como é o caso do deus Rama, visto como um dos Avatares de Vishnu, a quem Gandhi aprendeu a orar desde a mais tenra idade.
O Ramanama, que ele praticou durante toda sua vida, significa repetir o nome de Rama, inúmeras vezes, até sentir-se impregnado pelo divino, a forma de oração tipicamente hindu, chamada mantra, uma fórmula que, de tanto ser repetida, vai se instalando em nosso coração e em nossa mente.
A propósito, essa forma mântrica de prece (ou meditação), também era praticada pelos antigos cristãos em comunidades conhecidas como os “Padres do Deserto” e hoje vem sendo revivida e adaptada pelos monges beneditinos da Comunidade Mundial para a Meditação Cristã, como um processo de transformação que nos abre para a compreensão e amizade com o outro – inclusive com outras tradições religiosas.
Essa era também a postura do Mahatma, que orava por hindus, muçulmanos e cristãos, para que fossem pessoas melhores, dentro dos ensinamentos de suas respectivas crenças. Assim, o Sermão da Montanha era por ele considerado um dos grandes textos da humanidade.
E aqui aproveito para fazer uma advertência sobre o risco de utilizarmos repetitivamente a palavra violência, a ponto de permitir que ela se instale em nossos pensamentos e sentimentos, impregnando-nos de temor e ódio e nos neurotizando a ponto de reagirmos assustada ou agressivamente a qualquer gesto, movimento ou aproximação do outro.
Melhor seria substituí-la pela expressão “não-violência”, o famoso Ahimsa (literalmente, não-dano), conceito que Gandhi teve o mérito de aprofundar no sentido religioso, filosófico e político, numa ética total que deveria embasar nossos pensamentos, palavras e ações, em todos os momentos de nossa vida, a ser utilizada persistentemente em todas as situações e em toda parte.
A ética gandhiana é, portanto, uma resistência pacifica (não passiva, como muitos pensam) contra toda forma de injustiça, uma praxis corajosa, que passa, necessariamente, pelo respeito às diferenças, necessidades e direitos do outro e de nós próprios, em suma, pela dignidade dos seres humanos.
Para reverter o processo de violência e exclusão de que estamos saturados, temos que nos reconhecer como co-partícipes de um todo social e planetário que tem na diversidade uma demonstração de sua grande riqueza.
Essa postura diante da vida requer uma prática constante, que começa nas pequenas atitudes diárias, no lar, no trânsito, nas instituições das quais fazemos parte, sejam escolares, esportivas, religiosas ou profissionais, até alcançar toda a estrutura social. Às vezes basta um sorriso, como dizia Madre Tereza de Calcutá, outra grande mestra da humanidade.
O sentido humano com que Gandhi impregnou seus ideais na luta por uma vida mais digna para todos, sem discriminações de qualquer espécie, tem sido fonte de inspiração para os grandes movimentos pacifistas e acrescentou substratos éticos para a própria Declaração Universal dos Direitos do Homem (1948).
Seus ensinamentos e exemplos podem, portanto, ser considerados paradigmas que, devidamente adaptados, nos auxiliarão a embasar a busca por um mundo melhor.

*Síntese de Ensaio publ. in Rev. Thot nº 79/2003, pág.4/9.

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